domingo, 24 de outubro de 2010

A CONCHA

A minha casa é concha. Como os bichos,
Segreguei-a de mim com paciência:
Fachada de marés, a sonho e lixos;
O horto e os muros -- só areia e ausência.

Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocência
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.

E telhados de vidro, e escadarias
Frágeis, cobertas de hera -- oh bronze falso! --
Lareira aberta ao vento, as salas frias.

A minha casa... Mas é outra a história:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memória.

Vitorino Nemésio

Sem comentários: