domingo, 21 de março de 2010

CANTIGA DE SAUDADE

Há tanto tempo que a não vejo!
É morta em mim a luz pura
Da esperança, e meu desejo
Morre também, de amargura...

Assim eu cismo, noite alta;
E vagueio e sonho, ao luar...
E em sonhos se perde e exalta
Minha alma, só de a lembrar!

Voz das guitarras chorosas
Da Mouraria e de Alfama,
Dizei-me, vozes saudosas,
Se o meu amor me não ama?

E, no silêncio profundo,
Sobem ao céu minhas trovas.
E a tudo eu falo, na dor
Desta ausência, à noite, ao mundo,
Aos astros e seu esplendor:
-- Dizei-me se sabeis novas,
Ai novas do meu Amor?

Guilherme de Faria

domingo, 14 de março de 2010

MINHA MÃE

Alguém há, coração de bondade e candura,
Que o meu tormento e as minhas mágoas amortece.
Para quem minha voz tem a maior ternura.
Para quem o meu nome é um resumo de prece.

Alguém que me acompanha e sofre e se tortura,
Se me torturo e sofro. Alguém que não me esquece;
Que faz do meu prazer toda a sua ventura;
Que se alegra comigo e comigo entristece.

Alguém que me adivinha os menores desejos;
Que sorri, se sorrio; e se desfaz em beijos;
E, feliz, me abençoa em seu amor profundo.

Alguém que se revê nos meus olhos sem brilho;
Alguém que tem orgulho em me chamar de filho:
-- Minha Mãe, doce Mãe que Deus me deu no mundo.

Thales de Melo

domingo, 7 de março de 2010

PORQUE

Porque os outros se mascaram mas tu não.
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se comprem e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.