segunda-feira, 22 de junho de 2009

BOTÂNICA: O CIPRESTE

No canto de terra onde o plantaram,
procura o sentido da linha recta. Não pretende
o círculo, a roda das estações, a fuga ao
eixo que a gravidade lhe impõe. Aceita
que o céu é o seu destino; e por isso
as suas raízes que se alimentam dos mortos,
que lhes cedem as almas para
que o tronco as liberte, no inverno,
quando o frio faz vibrar a luz que
o envolve. Não oferece a sombra
a quem passa; não pede a companhia
dos amantes que o evitam, em busca
de um abrigo de flores. O seu destino
é o ponto que o olhar fixa, para além
do azul, num infinito em que outras
raízes crescem, bebendo o leite negro
das mitologias.

Nuno Júdice

domingo, 7 de junho de 2009

NOCTURNO

Entre o poço de orquestra e a assembleia muda
vou espargindo em pequenas notas a minha vida,
erguendo a cúpula de um céu sobre o teclado.
Gravo a anatomia dos meus gestos no silêncio,
enquanto uma valsa espera dormir na gola
de um nocturno. Esta dor costurada até ao osso
e em mim aceite como um vestuário obsceno,
poção composta segundo o preceito e de um trago
bebida, sem esgares, com a alegria de quem
se mata lentamente. Sou só uma destreza manual,
a arte de acariciar nos dedos um botão nevado,
as pétalas de uma bonina, cujo som ecoa
pelos saltos de uma fonte, pelos veios de uma sepultura.

A noite como uma oportuna morada sobre as árvores,
entreaberta como o ouvido à indiscrição de um segredo,
não volta para nós a face, que é branca. Sacode
no lugar da lua a cabeça como se pensasse negar em baixo
a escuridão. Vela silenciosa a paz de quem espera
e teve no entardecer por confidente o verdadeiro espelho:
o sangue que se inscreveu no céu como uma ideia
e o sol que me devolve a sua expectoração vermelha.

Paulo Teixeira