domingo, 11 de outubro de 2009

COM A SUA PELE

À mesa do café estava sentada uma rapariga triste, mulher
que já tinha idade. É tão aborrecido ser feio, ter perdido a adolescência.
Álvaro caeiro, meu mestre ou modelo, nem Alberto nem Campos, que
lhe diria se a encontrasse ali como eu depois de jantar?
Ao lado, na avenida, as árvores velhas e enormes também nada sabiam
de certos plátanos que à beira da estrada, caninos e elegantes,
sugeriam imagens com que falar melhor das adolescentes e das vacas
novas, tenros bezerros com o focinho cor de rosa que apetece beijar.
E as raparigas, com a sua pele matinal e fresca, com os seus vestidos
de algodão azul e branco decotados, mostravam o pescoço inteiro, um pouco
do peito em que não tinha ainda pesado o corpo dos homens.
À mulher cansada, rapariga não há muito tempo, eu não disse nada.
Pensei apenas: companheiras interessadas e atentas dos nossos sentimentos,
a natureza é cruel convosco; nem a memória nos fica, nem no vosso rosto
o vestígio daquela que fez sofrer e desejar; sempre
tivestes essa cara triste e calada, o exagero dessa maturidade.
Os plátanos velhos não curvaram os ramos para me ouvir sentir, não bocejaram,
desolados, quando comecei a afastar-me, seguindo o meu caminho.

João Camilo