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quinta-feira, 30 de junho de 2011

TROVAS A UMA CATIVA

Aquela cativa
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que para meus olhos
Fosse mais formosa.

Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas,
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.

Uma graça viva,
Que neles lhe mora,
Para ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.

Presença serena
Que a tormenta amansa;
Nela enfim descansa
Toda a minha pena.
Esta é a minha cativa
Que me tem cativo,
E, pois nela vivo,
É força que viva.

Luís de Camões 

terça-feira, 26 de abril de 2011

Aquela triste e leda madrugada,
Cheia toda de mágoa e de piedade,
Enquanto houver no mundo saudade
Quero que seja sempre celebrada.

Ela só, quando amena e marchetada
Saía, dando ao mundo claridade,
Viu apartar-se de uma outra vontade,
Que nunca poderá ver-se apartada.

Ela só viu lágrimas em fio,
Que de uns e de outro olhos derivadas
Se acrescentaram em grande e largo rio.

Ela viu as palavras magoadas
Que puderam tornar o fogo frio,
E dar descanso às almas condenadas.

Luís de Camões

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O céu, a terra, o vento sossegado...
As ondas, que se estendem pela areia...
Os peixes, que no mar o sono enfreia...
O nocturno silêncio repousado...

O pescador Aónio que, deitado
Onde co o vento a água se meneia.
Chorando, o nome amado em vão nomeia,
Que não pode ser mais que nomeado:

-- Ondas, dizia, antes que Amor me mate,
Tornai-me a minha Ninfa, que tão cedo
Me fizestes à morte estar sujeita.

Ninguém lhe fala; o mar de longe bate;
Move-se brandamente o arvoredo;
Leva-lhe ao vento a voz, que ao vento deita.

Camões

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

AO DESCONCERTO DO MUNDO

Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos
E para mais me espantar
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado
Fui mau mas fui castigado.
Assim que, só para mim,
Anda o mundo concertado.

Camões

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,

Começa de servir outros sete anos,
dizendo: Mais servira, se não fora
para tão longo amor tão curta a vida!

Camões

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos meus olhos tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te
Quão cedo de meus olhos te levou.

Camões

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Enquanto quis Fortuna que tivesse
Esperança de algum contentamento,
O gosto de um suave pensamento
Me fez que seus efeitos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse
Minha escritura a algum juízo isento,
Escureceu-me o engenho co tormento,
Para que seus enganos não dissesse.

Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
A diversas vontades! Quando lerdes
Num breve livro casos tão diversos,

Verdades puras são e não defeitos;
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
Tereis o entendimento de meus versos.

Camões