segunda-feira, 14 de março de 2011

CANTIGA

Não sou casado, senhora,
pois ainda que dei a mão
não casei o coração.

Antes que vos conhecesse,
sem errar contra vós nada,
uma só mão fiz casada,
sem que mais nisso metesse.
Dou-lhe que ela se perdesse;
solteiros e vossos são
os olhos e o coração.

Dizem que o bom casamento
se há-de fazer de vontade.
Eu a vós a liberdade
vos dei, e o pensamento.
Nisto só me achei contento,
que, se a outrem dei a mão,
dei a vós o coração.

Como, senhora, vos vi,
Sem palavras de presente
na alma vos recebi,
onde estarei para sempre,
não dei palavra somente.
Nem fiz mais que dar a mão;
guardando-vos o coração.

Casei-me com meu cuidado
e com vosso desejar.
Senhora não sou casado,
no mo queirais acuitar;
que servir-vos e amar
me nasceu do coração
que tendes em vossa mão.

O casar não fez mudança
em meu antigo cuidado
nem me negou esperança
do galardão esperado.
Não me enjeiteis por casado,
que, se a outra dei a mão,
a vós dei o coração.

Bernardim Ribeiro

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