onde ficava fechada a amizade e vinham
num jogo de acalmia os instrumentos
de desenhar esse grão de penumbra. Enquanto
a casa e o corpo me protegiam.
Hoje tenho esta certeza de dizer-lhe
que nem a poesia é uma casa,
nem faz senão expor-nos ao banal
num corpo já entregue a bisturis,
apenas o espera cada cinza.
A claridade a que tento escrever-lhe
é tumefacta como um órgão ferido,
está sujeita numa cortina suja
e é à salgação da morte
que na janela adormecem os contornos.
Passámos na vida pelas nossas vidas
e, sabe que é raro, tudo esteve certo.
Agora é esperar o canto enfermo,
o banimento,
nem um abraço ficará
de nenhum de nada de nós.
Talvez nessa altura fogos presos
nos acendam em barcos as palavras,
estrondos surdos de luz cruzem a água
diante da qual por algum tempo
a mão de alguém fará lembrar
esses focos da noite, esquivos,
impossíveis de tocar.
E nessas brasas de tanta cor
outros escutam o desaparecimento.
Joaquim Manuel Magalhães
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