quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A VIDA

A vida é tudo quanto Deus nos deu;
Rio por entre montes sem ter leito,
É fonte que brotou e não correu,
Que nasceu e secou dentro do peito...

A vida, a vida é qual água corrente
Que foge sem se ver por entre abrolhos.
Vem da fonte do amor -- água que sente --
E vai do peito para os nossos olhos.

A vida é ser-se lume, é ser-se brasa,
É ser aqui Desejo, ali Cuidado,
É um querer voar e não ter asa,
-- Um corpo de mulher todo apertado. --

A vida é uma rocha onde me agarro
E abraço, co'as mãos da Ânsia e do Amor;
Envolve-me cingindo o grande Vago,
E espreita-me a Morte em derredor.

A vida é o nosso amor feito escultura:
É tudo o que se aperta e que se adora.
Beleza de mulher que pouco dura --
A vida são mil anos numa hora.

A vida é um mudar-se a cada instante,
É um andar o tempo assim mudado;
É tomar um minuto por distante,
É ter por Sempre o tempo bem contado.

Luís de Montalvor

2 comentários:

rose marinho prado disse...

revisitado Camões! Lindo isso..que coisa boa de ler..

Ricardo António Alves disse...

É mesmo Camões revisitado. Ainda bem que gostou deste poema do Montalvor, um dos poetas da Orpheu.