Um cão no areal corria presto.
Presto corria o cão no areal deserto.
Era ao entardecer, e o cão corria presto
no areal deserto.
Corria em linha recta, presto, presto,
pela orla do mar.
Pela orla do mar, em linha recta,
corria presto, o cão.
Era ao entardecer.
No areal as águas derramadas
nas angústias do mar
lambuzavam de espuma as patas automáticas
do cão que presto, presto, corria em linha recta
pela orla do mar.
Sem princípio nem fim, em linha recta,
pela orla do mar.
Era ao entardcer,
na hora espessa, peganhenta e húmida,
em que um resto de luz no espasmo da agonia
geme nas coisas e empasta-as como goma.
No espaço diluído, esfumado e cinzento,
corria presto o cão no areal deserto.
Corria em linha recta, presto, presto,
definindo uma forma movediça
que perfurava a névoa e prosseguia
pela orla do mar, em linha recta,
focinho levantado, olhos estáticos,
fixando o breve ponto onde se encontram
além de todo o longe
as rectas que se dizem paralelas.
Alternavam-se as patas na cadência,
na cadência ritmada do movimento presto,
deixando no areal as marcas do contacto.
Presto, presto.
Como se um desejo o chamasse, corria presto o cão
no areal deserto.
O ritmo sempre igual, a língua pendurada,
os olhos como brocas, furadores de distâncias.
Em seu último espasmo a luz enrodilhou
o cão, o mar, o céu, o próximo e o distante.
Era um suposto cão correndo presto, presto,
num suposto areal, realmente deserto,
por uma linha recta mais suposta
que o areal e o mar.
Mas presto, presto, sempre presto, presto,
ia correndo o cão no areal deserto.
António Gedeão