Peço aos elementos que me tragam
os dias trágicos da infância,
o vento nos pinheiros, as insufladas nuvens
que deixavam no céu um gesto de loucura
que sabia bem apontar com o dedo mínimo.
Ergo a mão direita e abençoo o estilo baço
que a natureza traduz da voz de Deus.
Eu quero abençoar Deus e não me deixam.
Cada quadro rural é um mistério
quase litográfico.
Posso pensar nos animais de pasto
como outros trazem nos seus livros
uma versão romântica, fim de século.
Um cão de caça surge com a baba esbranquiçada
da moral submissa.
Deus teve os seus pastores no mês de junho
mas os furões chiavam no outono
e as matilhas humanas corriam no inverno
para vir ao meu encontro.
Pinhais e bibliotecas. Punhais de chuva
ou livros? Mentir até expulsar o corpo
das águas menstruais, gaseificadas.
Eu tive um tio que era espiritista
e lia Redol deitado no seu tabuleiro
de tuberculoso.
O mar do Baleal sabia-me a manteiga,
a pão e névoa.
Hoje, entre duas bicas, meu tio, reformado
dos plásticos, fala de política
e eu faço que sim com a cabeça.
Armando Silva Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário