quarta-feira, 22 de junho de 2011

J. B. DIAS, NO LEITO DO HOSPITAL

Tudo aqui é branco
A cama e os lençóis
E o mosaico que brilha...
Tudo aqui é branco
As batas e os enfermeiros
O tecto que não olho
E a arrastadeira...
Escuro aqui só eu
Bola preta que rola
No travesseiro lavado.
Parece-me estar a ouvir os enfermeiros:
O doente do número treze,
O doente do vinte e quatro...
E o doente preto.
Tudo aqui é branco.
Tudo, menos eu.
De manhã a enfermeira
Tira-me a temperatura.
É velha ou nova, bonita ou feia?
É branca.
«Senhora enfermeira, dê-me a sua mão»
Ai o negro de Michael Gold.
Eu não peço a mão à enfermeira.
Aqui tudo é branco
Tudo aqui é branco
Menos esta bola preta
Em que os olhos se escondem.
«Formas alvas, formas brancas...»
Serão assim os versos?
Ah, que importa isso agora?
Julgo que vou morrer
Morrer assim sozinho
Sozinho no meio de tantas coisas brancas
Que giram, que giram à minha volta.
«Formas alvas, formas brancas»
«A sua mão, enfermeira»
Batas brancas, parede, tecto, tudo
Branco, branco, branco...
A morte será branca?

                                                                                                     Coimbra, 1950 (1951?)

Antero Abreu

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