domingo, 1 de maio de 2011

BABEL E O LABIRINTO

Cabisbaixos e de ombros vergados descemos
devagarinho a aspereza do trilho, paisagem
a desembocar na discórdia de ignotos
panoramas. Entre o severo românico
e o gótico mais ágil, touros silentes,

transitam lentos e graves no tempo.
Hirtos, alongados dedos, catedrais negrejam
sobre o trigo louro, apontando o céu.
Católicos álgidos túneis, muros de alta rocha
húmida, intercalando, num perverso gosto

bourbónico, de róseos e grises mármores,
a morna ardência de opacas purpurinas.
Para trás tomba o peso insuportável
da infância. Não aquece em Abril o sol
da Primavera. Estrangeiras, nossas vozes

cruzam-se ensaiando a escuridão
no túnel do olvido. Cegos caminhamos
a ocultas de nós próprios, enquanto
nós próprios nos espreitamos outros
desde um mapa longínquo e luminoso

que sabe ao fruto perdido da inocência.
Sílabas dissonantes cunhadas na têmpera
de novos metais gelam no ar translúcido.
Sento-me Quai S. Michel junto aos aprumados
plátanos do Sena. Anos, séculos, um longo

tempo parado, intervalar, se abate
sobre mim. Devagarinho, imperceptivelmente,
como furtivas, exauridas lágrimas,
os meus amigos de outrora
diluem-se para fora da linguagem.

Rui Knopfli  

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