sexta-feira, 21 de outubro de 2011
domingo, 25 de setembro de 2011
O SOL É UM COMETA
Um astro rápido atravessa a água
do céu de maio não como um destroço
das primaveras que o passado esmaga
é um leão que treme na luz de ouro
O sol é um cometa quando o vejo
com os músculos de ouro do meio-dia
dilacerar a água que o protege
tal como o corpo dilacera a vida
do céu de maio não como um destroço
das primaveras que o passado esmaga
é um leão que treme na luz de ouro
O sol é um cometa quando o vejo
com os músculos de ouro do meio-dia
dilacerar a água que o protege
tal como o corpo dilacera a vida
Gastão Cruz
sábado, 24 de setembro de 2011
EVA
A culpa toda
me reveste
e eu nua.
Ouvi o que
a serpente
sussurrava
e caí.
Com Adão.
Nos desterrou
o anjo.
Era o conhecimento
de um pudor
ou soluço.
O que pode
a dor,
se nenhum traço
nos julga?
Com medo,
escondo a face.
E opaco, nulo
o riso. Tudo
é desconhecido
fora do paraíso.
me reveste
e eu nua.
Ouvi o que
a serpente
sussurrava
e caí.
Com Adão.
Nos desterrou
o anjo.
Era o conhecimento
de um pudor
ou soluço.
O que pode
a dor,
se nenhum traço
nos julga?
Com medo,
escondo a face.
E opaco, nulo
o riso. Tudo
é desconhecido
fora do paraíso.
Carlos Nejar
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
A vida de tudo quanto vive
é penhor do Nada.
O mundo que agora une
é o que amanhã apartará.
A vida dá-nos o Hoje para nos aproximar
e a Eternidade para a separação.
Possui acaso o rei o mistério da morte?
O seu poder contraria o transe do destino?
Não é isso que vejo!
A morte desfaz o que a união congrega:
Ó colinas vestidas de evanescentes mantos
Ó vida aniquiladas com brutal furor
Ó almas atingidas de insanável mal,
Não sabeis que suas mãos profanam os haréns,
Os mais nobres príncipes e as suas damas?
Que ela é o mal que abate o monarca
Com golpe fero que atrai a compaixão?
Que contra ela os elementos não são armas
Nem as lágrimas lhe dão sequer remédio?
Logro contra ela é o recurso dos suspiros!
Logro contra ela é o socorro do pranto!
Como pôr fim a um mal com outro mal?
Como tratar a dor com outra dor?
é penhor do Nada.
O mundo que agora une
é o que amanhã apartará.
A vida dá-nos o Hoje para nos aproximar
e a Eternidade para a separação.
Possui acaso o rei o mistério da morte?
O seu poder contraria o transe do destino?
Não é isso que vejo!
A morte desfaz o que a união congrega:
Ó colinas vestidas de evanescentes mantos
Ó vida aniquiladas com brutal furor
Ó almas atingidas de insanável mal,
Não sabeis que suas mãos profanam os haréns,
Os mais nobres príncipes e as suas damas?
Que ela é o mal que abate o monarca
Com golpe fero que atrai a compaixão?
Que contra ela os elementos não são armas
Nem as lágrimas lhe dão sequer remédio?
Logro contra ela é o recurso dos suspiros!
Logro contra ela é o socorro do pranto!
Como pôr fim a um mal com outro mal?
Como tratar a dor com outra dor?
Ibn Darraj al-Qastalli
(Adalberto Alves)
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«traições»,
Adalberto Alves-tradutor,
Ibn Darraj al-Qastalli
quinta-feira, 22 de setembro de 2011
A poesia é o "real absoluto" mas em constante mutação, e por isso sempre haverá poesia que sempre se cumprirá fora dos muros e das luzes da cidade. É este o lugar dos poetas, cá fora. Os que se aproximam dos outros poderes ou perderam a inocência ou nada aprenderam com a experiência: já não são poetas.
Casimiro de Brito
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«enunciados»,
Casimiro de Brito
quarta-feira, 21 de setembro de 2011
BARCOS DE PAPEL
Quando a chuva cessava e um vento fino
franzia a tarde tímida e lavada,
eu saía a brincar pela calçada,
nos meus tempos felizes de menino.
Fazia de papel toda uma armada
e, estendendo meu braço pequenino,
eu soltava os barquinhos, sem destino,
ao longo das sarjetas, na enxurrada...
Fiquei moço. E hoje sei, pensando neles,
que não são barcos de ouro os meus ideais:
são feitos de papel, tal como aqueles,
perfeitamente, exatamente iguais...
-- que os meus barquinhos, lá se foram eles!
foram-se embora e não voltaram mais!
franzia a tarde tímida e lavada,
eu saía a brincar pela calçada,
nos meus tempos felizes de menino.
Fazia de papel toda uma armada
e, estendendo meu braço pequenino,
eu soltava os barquinhos, sem destino,
ao longo das sarjetas, na enxurrada...
Fiquei moço. E hoje sei, pensando neles,
que não são barcos de ouro os meus ideais:
são feitos de papel, tal como aqueles,
perfeitamente, exatamente iguais...
-- que os meus barquinhos, lá se foram eles!
foram-se embora e não voltaram mais!
Guilherme de Almeida
terça-feira, 20 de setembro de 2011
O crítico tem alma de camelo:
frutas e flores, eis o que el' não come.
No florido jardim do doce néctar,
se não vê espinhos, morrerá de fome.
frutas e flores, eis o que el' não come.
No florido jardim do doce néctar,
se não vê espinhos, morrerá de fome.
poema sânscrito anónimo
(Jorge de Sena)
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«bichos»,
Anónimo,
Jorge de Sena-tradutor
CANÇÃO DE SALABU
Nosso filho caçula
Mandaram-no p'ra S. Tomé
Não tinha documentos
Aiué!
Nosso filho chorou
Mamã enlouqueceu
Aiué!
Mandaram-no p'ra S. Tomé
Nosso filho já partiu
Partiu no porão deles
Aiué!
Mandaram-no p'ra S. Tomé
Cortaram-lhe os cabelos
Não puderam amarrá-lo
Aiué!
Mandaram-no p'ra S. Tomé
Nosso filho está a pensar
Na sua terra, na sua casa
Mandaram-no trabalhar
Estão a mirá-lo, a mirá-lo
-- Mamã ele há-de voltar
Ah! A nossa sorte há-de virar
Aiué!
Mandaram-no p'ra S. Tomé
Nosso filho não voltou
A morte levou-o
Aiué!
Mandaram-no p'ra S. Tomé!
Mandaram-no p'ra S. Tomé
Não tinha documentos
Aiué!
Nosso filho chorou
Mamã enlouqueceu
Aiué!
Mandaram-no p'ra S. Tomé
Nosso filho já partiu
Partiu no porão deles
Aiué!
Mandaram-no p'ra S. Tomé
Cortaram-lhe os cabelos
Não puderam amarrá-lo
Aiué!
Mandaram-no p'ra S. Tomé
Nosso filho está a pensar
Na sua terra, na sua casa
Mandaram-no trabalhar
Estão a mirá-lo, a mirá-lo
-- Mamã ele há-de voltar
Ah! A nossa sorte há-de virar
Aiué!
Mandaram-no p'ra S. Tomé
Nosso filho não voltou
A morte levou-o
Aiué!
Mandaram-no p'ra S. Tomé!
Mário Pinto de Andrade
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«do sangue»,
Mário Pinto de Andrade
segunda-feira, 19 de setembro de 2011
En art, il n'y a que deux choses essentielles: l'instinct et le don.
Vlaminck
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«aforismos»,
«babélia»,
Maurice de Vlaminck
Àqueles que sabem
e querem amar o
Futuro:
Foge o Presente, foge às mãos sequiosas
De cingi-lo, apertá-lo ao coração,
E as horas correm, tão vertiginosas,
Que mal as vemos, no seu turbilhão...
Umas dão sonho, noutras nascem rosas.
Sonhos e rosas -- porque nascerão?...
-- Como a volúpia incerta que tu gozas
Deixam saudades só, meu coração!
E é sempre esta saudade, esta agonia
De não viver a vida fugidia,
De ver fugir desejo, amor, verdade...
-- Mas o Futuro vela... E, fielmente,
Colhe as horas mais belas do Presente
E delas tece a nossa eternidade!
João de Barros
A UMA BICICLETA DESENHADA NA CELA
Nesta parede que me veste
da cabeça aos pés, inteira,
bem hajas, companheira,
as viagens que me deste.
Aqui,
onde o dia é mal nascido,
jamais me cansou
o rumo que deixou
o lápis proibido...
Bem haja a mão que te criou!
Olhos montados no teu selim
pedalei, atravessei
e viajei
para além de mim.
da cabeça aos pés, inteira,
bem hajas, companheira,
as viagens que me deste.
Aqui,
onde o dia é mal nascido,
jamais me cansou
o rumo que deixou
o lápis proibido...
Bem haja a mão que te criou!
Olhos montados no teu selim
pedalei, atravessei
e viajei
para além de mim.
Luís Veiga Leitão
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«do sangue»,
Luís Veiga Leitão
domingo, 18 de setembro de 2011
PASSEI A VIDA...
Passei a vida a servir
os meus dias passei-os a chorar
no meu mundo
meu inferno.
Os braços trabalhando
para um mundo alheio
os meus dedos musicando
para o mundo alheio.
Meu mundo
meu inferno.
E ainda choro hoje
mas de vergonha
de pejo
por ter vivido num mundo inferno
sem ter tido ao menos alma para morrer
os meus dias passei-os a chorar
no meu mundo
meu inferno.
Os braços trabalhando
para um mundo alheio
os meus dedos musicando
para o mundo alheio.
Meu mundo
meu inferno.
E ainda choro hoje
mas de vergonha
de pejo
por ter vivido num mundo inferno
sem ter tido ao menos alma para morrer
1948
Agostinho Neto
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«do sangue»,
Agostinho Neto
O ESPÍRITO DOS PÁSSAROS
Os índios acreditam que o homem
é o espírito dos pássaros,
deslumbrante e volátil,
como uma nuvem de espuma,
um óleo santo, ou um fogo ritual.
Assim se cumpre o seu destino
de adoradores do trigo, da lava
e do sol, de fabricantes de setas
ardentes como um lume fatal.
Conspiram os pássaros contra
o espírito dos homens
que os tiraniza e fere de morte.
Dançam em torno das estações,
trabalhando pela fertilidade
das colheitas, migrantes e sequiosos.
é o espírito dos pássaros,
deslumbrante e volátil,
como uma nuvem de espuma,
um óleo santo, ou um fogo ritual.
Assim se cumpre o seu destino
de adoradores do trigo, da lava
e do sol, de fabricantes de setas
ardentes como um lume fatal.
Conspiram os pássaros contra
o espírito dos homens
que os tiraniza e fere de morte.
Dançam em torno das estações,
trabalhando pela fertilidade
das colheitas, migrantes e sequiosos.
José Jorge Letria
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«bichos»,
José Jorge Letria
sábado, 17 de setembro de 2011
CIDADE DE SEGREDOS
Quando a cidade escurece
e um toldo de noite a envolve,
o silêncio traz em si
os mais profundos lamentos,
o ruído de estertor dos que chegam ao fim,
os soluços de amor dos que agora começam,
os passos perdidos pelas ruas solitárias
de luz citrina nas janelas da espera.
É sempre o corpo o centro da madrugada.
Vou ver o meu filho que dorme serenamente
enquanto um motor de carro abranda
na hora do sono dos noctívagos e dos boémios.
Sento-me e contemplo ao longe a Basílica da Estrela
num diálogo de pedra secreto com os
últimos luzeiros, com o rumos da alvorada
e um toldo de noite a envolve,
o silêncio traz em si
os mais profundos lamentos,
o ruído de estertor dos que chegam ao fim,
os soluços de amor dos que agora começam,
os passos perdidos pelas ruas solitárias
de luz citrina nas janelas da espera.
É sempre o corpo o centro da madrugada.
Vou ver o meu filho que dorme serenamente
enquanto um motor de carro abranda
na hora do sono dos noctívagos e dos boémios.
Sento-me e contemplo ao longe a Basílica da Estrela
num diálogo de pedra secreto com os
últimos luzeiros, com o rumos da alvorada
João Candeias
sexta-feira, 16 de setembro de 2011
-- Faze o bem e fecha os olhos:
Fecha-os, não olhes a quem. --
Não vejas o mal dos outros,
Vejam outros teu bem.
Fecha-os, não olhes a quem. --
Não vejas o mal dos outros,
Vejam outros teu bem.
António Correia de Oliveira
Etiquetas:
António Correia de Oliveira
ONDE?
Tão longe como estás, ó meu desejo,
Quando a noite gelada se avizinha,
Se tu és Dor, ao pé de mim te vejo...
Trajas um manto negro de rainha
E, silenciosa como a sombra, choras
Pousando sempre a tua mão na minha!
Vens de tão longe nas caladas horas!
Se tu és Pranto, esse leal amigo,
E no meus olhos que de noite moras...
Tens neste amargo peito um doce abrigo!
Se estás longe de mim e eu não te alcanço,
Não és pranto nem Dor! Mas, se és Descanso,
Onde te ocultas que não dou contigo?
Quando a noite gelada se avizinha,
Se tu és Dor, ao pé de mim te vejo...
Trajas um manto negro de rainha
E, silenciosa como a sombra, choras
Pousando sempre a tua mão na minha!
Vens de tão longe nas caladas horas!
Se tu és Pranto, esse leal amigo,
E no meus olhos que de noite moras...
Tens neste amargo peito um doce abrigo!
Se estás longe de mim e eu não te alcanço,
Não és pranto nem Dor! Mas, se és Descanso,
Onde te ocultas que não dou contigo?
João Saraiva
quinta-feira, 15 de setembro de 2011
AQUELE QUE PASSA
O desconhecido que passa e te acha ainda digna de uma fugidia palavra de desejo,
Talvez porque na sombra da noite tão doce de Maio
Ainda resplendem teus olhos, ainda tem vinte anos a ligeira figuras deslizante,
Não sabe que foste amada, por aquele que amaste amada, em plena e soberba delícia de
[amor,
E em ti não há membro ou ponta de carne ou átomo de alma que não tenha uma marca de
[amor.
Que tu viveste apenas para amar aquele que te amava,
E nem que quisesses podias arrancar de ti essa veste que o amor teceu.
Ele, ignaro, em ti já não bela, em ti já não jovem, saúda a graça do deus:
Respira, passando em ti, jão não bela, em ti já não jovem, o aromo precioso do deus:
Só porque o levas contigo, doce relíquia à sombra de um sacrário.
Talvez porque na sombra da noite tão doce de Maio
Ainda resplendem teus olhos, ainda tem vinte anos a ligeira figuras deslizante,
Não sabe que foste amada, por aquele que amaste amada, em plena e soberba delícia de
[amor,
E em ti não há membro ou ponta de carne ou átomo de alma que não tenha uma marca de
[amor.
Que tu viveste apenas para amar aquele que te amava,
E nem que quisesses podias arrancar de ti essa veste que o amor teceu.
Ele, ignaro, em ti já não bela, em ti já não jovem, saúda a graça do deus:
Respira, passando em ti, jão não bela, em ti já não jovem, o aromo precioso do deus:
Só porque o levas contigo, doce relíquia à sombra de um sacrário.
Ada Negri
(Jorge de Sena)
Etiquetas:
«traições»,
Ada Negri,
Jorge de Sena-tradutor
LA VIE IDÉALE
Une salle avec du feu, des bougies,
Des soupers toujours servis, des guitarres,
Des fleurets, des fleurs, tous les tabacs rares,
Où l'on causerait pourtant sans orgies.
Au printemps lilas, roses et muguets,
En été jasmins, oeillets et tilleuls
Rempliraient la nuit du grand parc où, seuls
Parfois, les rêveurs fuiraient les bruits gais.
Les hommes seraient tous de bonne race,
Dompteurs familiers des Muses hautaines,
Et les femmes sans cancans et sans haines,
Illumineraient les soirs de leur grâce.
Et l'on songeraient, parmi ces parfums
De bras, d'éventails, de fleurs, de peignoirs,
De fins cheveux blonds, de lourds cheveux noirs,
Aux pays lointains, aux siècles défunts.
Des soupers toujours servis, des guitarres,
Des fleurets, des fleurs, tous les tabacs rares,
Où l'on causerait pourtant sans orgies.
Au printemps lilas, roses et muguets,
En été jasmins, oeillets et tilleuls
Rempliraient la nuit du grand parc où, seuls
Parfois, les rêveurs fuiraient les bruits gais.
Les hommes seraient tous de bonne race,
Dompteurs familiers des Muses hautaines,
Et les femmes sans cancans et sans haines,
Illumineraient les soirs de leur grâce.
Et l'on songeraient, parmi ces parfums
De bras, d'éventails, de fleurs, de peignoirs,
De fins cheveux blonds, de lourds cheveux noirs,
Aux pays lointains, aux siècles défunts.
Charles Cros
quarta-feira, 14 de setembro de 2011
Primeiro Livro de Poesia
título: Primeiro Livro de Poesia
subtítulo: Poemas em Língua Portuguesa para a Infância e a Adolescência
selecção e posfácio: Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto, 6.I.1919 -- Lisboa, 2.VII.2004)
os poetas: Gil Vicente, Eugénio de Andrade, Odylo Costa, Filho, Sidónio Muralha, Manuel Bandeira, Fernando Pessoa, Jaime Cortesão, Bocage, Mutimati Barnabé João (António Quadros), Miguel Torga, Viriato da Cruz, Gomes Leal, Violeta Figueiredo, Ribeiro Couto, Terêncio Anahory, Luís de Camões, Vasco Cabral, Henrique Guerra, Alda do Espírito Santo, Vitorino Nemésio, Daniel Filipe, Jorge de Barros, Pedro Homem de Melo, Jorge de Lima, Maria Eugénia Lima, João Roiz de Castelo Branco, Aguinaldo Fonseca, Caetano da Costa Alegre, Fernando Sylvan, Manuel Rui, Reinaldo Ferreira, Teixeira de Pascoais, António Nobre, Jorge Barbosa, António Baticã Ferreira, Noémia de Sousa, João Cabral de Melo Neto, Glória de Sant'Anna, José Craveirinha, D. Dinis, Airas Nunes de Santiago, Rui Bueti, Ruy Cinatti, Manuel Lima, Jorge Lauten, Cesário Verde, Francisco José Tenreiro, poesia popular portuguesa e timorense
ilustrações: Júlio Resende
editora: Editorial Caminho
local: Lisboa
ano: 1991
págs.: 192
dimensões: 19,3x13,7x1,8 cm. (cartonado)
impressão: Rolo & Filhos, Mafra
tiragem: 15000
obs.: nota final de Roberto Carneiro, ministro da Educação; edição patrocinada pelo Instituto de Inovação Educacional do Ministério da Educação
subtítulo: Poemas em Língua Portuguesa para a Infância e a Adolescência
selecção e posfácio: Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto, 6.I.1919 -- Lisboa, 2.VII.2004)
os poetas: Gil Vicente, Eugénio de Andrade, Odylo Costa, Filho, Sidónio Muralha, Manuel Bandeira, Fernando Pessoa, Jaime Cortesão, Bocage, Mutimati Barnabé João (António Quadros), Miguel Torga, Viriato da Cruz, Gomes Leal, Violeta Figueiredo, Ribeiro Couto, Terêncio Anahory, Luís de Camões, Vasco Cabral, Henrique Guerra, Alda do Espírito Santo, Vitorino Nemésio, Daniel Filipe, Jorge de Barros, Pedro Homem de Melo, Jorge de Lima, Maria Eugénia Lima, João Roiz de Castelo Branco, Aguinaldo Fonseca, Caetano da Costa Alegre, Fernando Sylvan, Manuel Rui, Reinaldo Ferreira, Teixeira de Pascoais, António Nobre, Jorge Barbosa, António Baticã Ferreira, Noémia de Sousa, João Cabral de Melo Neto, Glória de Sant'Anna, José Craveirinha, D. Dinis, Airas Nunes de Santiago, Rui Bueti, Ruy Cinatti, Manuel Lima, Jorge Lauten, Cesário Verde, Francisco José Tenreiro, poesia popular portuguesa e timorense
ilustrações: Júlio Resende
editora: Editorial Caminho
local: Lisboa
ano: 1991
págs.: 192
dimensões: 19,3x13,7x1,8 cm. (cartonado)
impressão: Rolo & Filhos, Mafra
tiragem: 15000
obs.: nota final de Roberto Carneiro, ministro da Educação; edição patrocinada pelo Instituto de Inovação Educacional do Ministério da Educação
terça-feira, 13 de setembro de 2011
ALMOÇO NA RELVA
Do céu fechado
(semi-
círculo)
sobre o
lago
cai verde
uma gota de ave
-- excremento --
abre n'água
cír círculos
concêntricos
O lago, outro
círculo
verde
circundando
por mais verde avermelhado
pelo círculo do sol
poente
relva onde talo teso gramo
às portas do seu
triângulo jardim
(semi-
círculo)
sobre o
lago
cai verde
uma gota de ave
-- excremento --
abre n'água
cír círculos
concêntricos
O lago, outro
círculo
verde
circundando
por mais verde avermelhado
pelo círculo do sol
poente
relva onde talo teso gramo
às portas do seu
triângulo jardim
Antônio Moura
Promontório de Deus. De onde ele se ausenta.
Só nos deixando a grande nostalgia
na sua massa espessa.
Que abre distância de recuo assídua
e alarga a inteligência
por uma busca quase festiva.
Ou mais, talvez, por uma via tensa
de júbilo e sentido. E, até, sofrida
na sua panda activação de vela.
Que vai sofrendo e activando a vinda
da invisibilidade, da surpresa
inominada, que procura ainda
seu nome peremptório. Mas nomeia
essa distância a distanciar-se
implícita.
Ou promontório de onde Deus se ausenta
para auscultarmos sua face viva.
Só nos deixando a grande nostalgia
na sua massa espessa.
Que abre distância de recuo assídua
e alarga a inteligência
por uma busca quase festiva.
Ou mais, talvez, por uma via tensa
de júbilo e sentido. E, até, sofrida
na sua panda activação de vela.
Que vai sofrendo e activando a vinda
da invisibilidade, da surpresa
inominada, que procura ainda
seu nome peremptório. Mas nomeia
essa distância a distanciar-se
implícita.
Ou promontório de onde Deus se ausenta
para auscultarmos sua face viva.
Fernando Echevarría
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
FUI GERADO
Fui gerado
Como as sombras te geraram
Ai as sombras
Que pariram nas cavernas
Ai as sombras que pariram
Minha sombra nas cavernas
Tantos gestos que se buscam
Tantos lábios que se entregam
Tantos corpos que se apagam
nas cavernas
Ah os homens serão tristes
Pois não sabem donde vêm
Ah os homens serão tristes
Pois não sabem onde vão
Fui gerado Noite adentro
Tua fome me vestia
Fui gerado Noite adentro
Como a terra
Que as raízes não consomem
Fui gerado Noite adentro
Era o Sol que fecundava
Era a terra que sangrava
E do íntimo da terra
Era um homem que brotava
Fui gerado Noite adentro
Como as sombras te geraram
Ai as sombras
Que pariram nas cavernas
Ai as sombras que pariram
Minha sombra nas cavernas
Tantos gestos que se buscam
Tantos lábios que se entregam
Tantos corpos que se apagam
nas cavernas
Ah os homens serão tristes
Pois não sabem donde vêm
Ah os homens serão tristes
Pois não sabem onde vão
Fui gerado Noite adentro
Tua fome me vestia
Fui gerado Noite adentro
Como a terra
Que as raízes não consomem
Fui gerado Noite adentro
Era o Sol que fecundava
Era a terra que sangrava
E do íntimo da terra
Era um homem que brotava
Fui gerado Noite adentro
Carlos Nejar
SÉCULO ILUMINADO
O Século Iluminado
Ouço a este chamar.
E ninguém pode negar
Que está bem adiantado
Em mentir e em enganar.
Ouço a este chamar.
E ninguém pode negar
Que está bem adiantado
Em mentir e em enganar.
Miguel do Couto Guerreiro
Etiquetas:
Miguel do Couto Guerreiro
PAZ (2)
Avaro de meus sonhos te invoquei,
Nascesses para mim e eras cumprida.
Ilha sem arquipélago julguei
Dividida dos outros minha vida.
Mas que voz de mim vem e te reclama,
Filha de reis dum reino que inda existe?!
Porque funde ao calor da tua chama
O inútil silêncio que resiste?
Nunca te deste toda a quem te quis
Para si, receber o que feliz
Só na comum seara se renova.
Tudo o que vem de ti é largo e vário,
Mas não sorri ao homem solitário
Que te busca sozinho em sua cova.
Nascesses para mim e eras cumprida.
Ilha sem arquipélago julguei
Dividida dos outros minha vida.
Mas que voz de mim vem e te reclama,
Filha de reis dum reino que inda existe?!
Porque funde ao calor da tua chama
O inútil silêncio que resiste?
Nunca te deste toda a quem te quis
Para si, receber o que feliz
Só na comum seara se renova.
Tudo o que vem de ti é largo e vário,
Mas não sorri ao homem solitário
Que te busca sozinho em sua cova.
Arnaldo França
sábado, 10 de setembro de 2011
ESCURIDÃO
Vou pensando em viver. Entre-tem-me. Se algum dia até isto me voar, fecho as portas e as janelas, apago a luz e deito-me no chão a um canto.
António Madeira
[Branquinho da Fonseca]
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António Madeira,
Branquinho da Fonseca
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
Obras Poéticas de Eugénio de Castro - Volume V
autor: Eugénio de Castro (Coimbra, 4.III.1869-17.VIII.1944)
título: Obras Poéticas de Ferreira de Castro -- Volume V (inclui Contança, Depois da Ceifa e A Sombra do Quadrante)
prefácio: Miguel de Unamuno (1907)
editora: Lumen
local: Lisboa
ano: 1929
págs.: 184
dimensões: 19,3x13x1,7 cm. (brochado)
impressão: Imprensa Nacional de Lisboa
obs.: foto do autor em 1911, extratexto
título: Obras Poéticas de Ferreira de Castro -- Volume V (inclui Contança, Depois da Ceifa e A Sombra do Quadrante)
prefácio: Miguel de Unamuno (1907)
editora: Lumen
local: Lisboa
ano: 1929
págs.: 184
dimensões: 19,3x13x1,7 cm. (brochado)
impressão: Imprensa Nacional de Lisboa
obs.: foto do autor em 1911, extratexto
Etiquetas:
«teoria das fontes»,
Eugénio de Castro
O SELO DOS DIAS
Dias virão, dias virão
a golpes secos
de potros
no chão.
Não sei se já nasceram,
não sei onde se encontram
os dias
que amo tanto.
(No cano de um fuzil
ou no cano do espanto).
Dias virão virão,
lobos de aragem
e a todos morderão
com sua liberdade.
Que pássaros
se aplumam
nas penas destes pássaros?
Serão dias saltando
aos ombros
de outros ombros,
até onde houver ombros
irão dias brotando.
a golpes secos
de potros
no chão.
Não sei se já nasceram,
não sei onde se encontram
os dias
que amo tanto.
(No cano de um fuzil
ou no cano do espanto).
Dias virão virão,
lobos de aragem
e a todos morderão
com sua liberdade.
Que pássaros
se aplumam
nas penas destes pássaros?
Serão dias saltando
aos ombros
de outros ombros,
até onde houver ombros
irão dias brotando.
Carlos Nejar
STELLA BY STARLIGHT
Quem viu estrelas
ouviu aquelas
perdidas vias velhas:
O som do rio aflito
a tarde triste em guarda
a penumbra arde em arrebol
a sinfonia astral amarga
o rouxinol perito provençal.
O som é tudo o que se adora
é tudo isso e muito mais:
um tema grego antigo
Stella By Starlight
lua trançada no cabelo
voz de desconcerto.
Tontura alta dos amantes
dribla dentro explode em canto.
ouviu aquelas
perdidas vias velhas:
O som do rio aflito
a tarde triste em guarda
a penumbra arde em arrebol
a sinfonia astral amarga
o rouxinol perito provençal.
O som é tudo o que se adora
é tudo isso e muito mais:
um tema grego antigo
Stella By Starlight
lua trançada no cabelo
voz de desconcerto.
Tontura alta dos amantes
dribla dentro explode em canto.
Frederico Barbosa
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«o silêncio»,
Frederico Barbosa
quinta-feira, 8 de setembro de 2011
L'ISLE JOYEUSE
Ó festa de luz de mar tranquilo
De casas brancas dum branco rosa
Dum tempo antigo que aqui ficou
Ó ilha pura incandescente
Que me geraste três vezes mãe
Três vezes para mim sagrada
Por teres deuses tão variados
Por seres livre da liberdade
Que os deuses gregos orientais
Marcaram a fogo um fogo alegre
Naqueles seres naquelas ilhas
Que eles nomeiam seus próprios filhos
Por motivos sobrenaturais
De casas brancas dum branco rosa
Dum tempo antigo que aqui ficou
Ó ilha pura incandescente
Que me geraste três vezes mãe
Três vezes para mim sagrada
Por teres deuses tão variados
Por seres livre da liberdade
Que os deuses gregos orientais
Marcaram a fogo um fogo alegre
Naqueles seres naquelas ilhas
Que eles nomeiam seus próprios filhos
Por motivos sobrenaturais
Ilha de Moçambique, 1-3-1963
Alberto de Lacerda
GLOSA DE GUIDO CAVALCANTI
"Perchi' I' no spero di tornar giammai"
Porque não espero de jamais voltar
à terra em que nasci; porque não espero,
ainda que volte, de encontrá-la pronta
a conhecer-me como agora sei
que eu a conheço; porque não espero
sofrer saudades, ou perder a conta
dos dias que vivi sem a lembrar;
porque não espero nada, e morrerei
no exílio sempre, mas fiel ao mundo,
já que de nenhum outro morro exilado;
porque não espero, do meu poço fundo,
olhar o céu e ver mais que azulado
esse ar que ainda respiro, esse ar imundo
por quantos que me ignoram respirado;
porque não espero, espero contentado.
Jorge de Sena
quarta-feira, 7 de setembro de 2011
A poesia é um acto de insubordinação a todos os níveis, desde o nível da linguagem como instrumento de comunicação, atá ao nível do conformismo, da conivência com a ordem, qualquer ordem estabelecida.
[...]
É claro que falo do poeta e não do poetastro, do industrial e comerciante de poemas, do promotor da venda das palavras que proferiu. Falo do homem que nunca repousou sobre o que escreveu, que se recusou a servir-se a si e a servir, que constantemente se sublevou. [...]
Ruy Belo, «Breve programa para uma iniciação ao canto», Transporte no Tempo, 4.ª edição, Lisboa, Editorial Presença, 1997, pp. 19-20.
terça-feira, 6 de setembro de 2011
Tal como Shelley e Hardy antes dele, Lawrence irá continuar a enterrar os seus próprios cangalheiros, precisamente como Whitman enterrou várias gerações de agentes funerários que o puseram de parte.
Harold Bloom, O Cânone Ocidental, p.264.
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Thomas Hardy,
Walt Whitman
Greguerías
autor: Ramón Gómez de la Serna (Madrid, 3.VII.1888 -- Buenos Aires, 12.I.1963)
título: Greguerías
subtítulo: Uma Selecção
selecção, tradução e prefácio: Jorge Silva Melo
colecção: «Gato Maltês» #37
edição: Assírio & Alvim
local: Lisboa
ano: 1998
págs.: 110
dimensões: 18,5x11,5x1 cm. (brochado)
capa: fotografia de André Kertész
impressão: Guide - Artes Gráficas, Lisboa
obs.: edição apoiada pelo Ministério da Cultura de Espanha
título: Greguerías
subtítulo: Uma Selecção
selecção, tradução e prefácio: Jorge Silva Melo
colecção: «Gato Maltês» #37
edição: Assírio & Alvim
local: Lisboa
ano: 1998
págs.: 110
dimensões: 18,5x11,5x1 cm. (brochado)
capa: fotografia de André Kertész
impressão: Guide - Artes Gráficas, Lisboa
obs.: edição apoiada pelo Ministério da Cultura de Espanha
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«teoria das fontes»,
Ramón Gómez de la Serna
POUCO ACIMA DAQUELA ALVÍSSIMA COLUNA
Pouco acima daquela alvíssima coluna
que é o seu pescoço, a boca é-lhe uma taça tal
que, vendo-a, ou vendo-a, sem, na realidade, a ver,
de espaço a espaço, o céu da boca se me enfuna
de beijos -- uns sutis, em diáfano cristal
lapidados na oficina do seu Ser;
outros -- hóstias ideais dos meus anseios,
e todos cheios, todos cheios
do meu infinito amor...
Taça
que encerra
por
suma graça
tudo que a terra
de bom
produz!
Boca!
o dom
possuis
de pores
louca
a minha boca!
Taça
de astros e flores,
na qual
esvoaça
meu ideal!
Taça cuja embriaguez
na via láctea do Sonho ao céu conduz!
Que me enlouqueças mais... e, a mais e mais, me dês
o teu delírio... a tua chama... a tua luz...
Hermes Fontes
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Hermes Fontes
LOS CAMINOS SECRETOS
Los fronterizos, los que pasen solitarios
contrabandistes, maquis, carabineros,
los que marca nel atlas con tinta azul
la pensatible mano d'una nena
qu'inda nun sabe que ye Lady Macbeth,
los que taliara mio padre per tierres del Bierzo
y aquellos perpindios pelos que yo atayaba
con tebeos baxo'l brazu
pa llegar a la caseta
de lates, plásticu y fierro
onde m'esperaben los trece
años de Yolanda la del carteru.
Los caminos secretos baxo la húmida
lluz d'una tarde antigua de marzu,
la breda erma d'un poema de Kipling
que copié nun cuaderno va pa diez años
nuna bufarda de la cai Escura.
Los que llevo anoyaos al corazón
y me train y me lleven
dica esa última alcoba que nun soi
-- bates blanques, doutores... -- pa imaxinar.
contrabandistes, maquis, carabineros,
los que marca nel atlas con tinta azul
la pensatible mano d'una nena
qu'inda nun sabe que ye Lady Macbeth,
los que taliara mio padre per tierres del Bierzo
y aquellos perpindios pelos que yo atayaba
con tebeos baxo'l brazu
pa llegar a la caseta
de lates, plásticu y fierro
onde m'esperaben los trece
años de Yolanda la del carteru.
Los caminos secretos baxo la húmida
lluz d'una tarde antigua de marzu,
la breda erma d'un poema de Kipling
que copié nun cuaderno va pa diez años
nuna bufarda de la cai Escura.
Los que llevo anoyaos al corazón
y me train y me lleven
dica esa última alcoba que nun soi
-- bates blanques, doutores... -- pa imaxinar.
Xuan Bello
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Xuan Bello
segunda-feira, 5 de setembro de 2011
Tivemos,
Em vez de uma longa vida de doçura
A travessia de vales e montes lamacentos;
Em vez de noites breves sob os véus
O temor da viagem no seio de infindável treva;
Em vez de água límpida sob sombras
O fogo das entranhas queimadas pela sede;
Em vez do perfume errante das flores
O hálito esbraseado do meio-dia;
Em vez da intimidade entre ama e amiga
A rota noctura cercada de lobos e de génios;
Em vez do espectáculo dum rosto gracioso
Desgraças suportadas com nobre constância.
Em vez de uma longa vida de doçura
A travessia de vales e montes lamacentos;
Em vez de noites breves sob os véus
O temor da viagem no seio de infindável treva;
Em vez de água límpida sob sombras
O fogo das entranhas queimadas pela sede;
Em vez do perfume errante das flores
O hálito esbraseado do meio-dia;
Em vez da intimidade entre ama e amiga
A rota noctura cercada de lobos e de génios;
Em vez do espectáculo dum rosto gracioso
Desgraças suportadas com nobre constância.
Ibn Darraj Al-Qastalli
(Adalberto Alves)
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Adalberto Alves-tradutor,
Ibn Darraj al-Qastalli
A poesia é resistência a um destino de «despoetização» generalizada, que ela integrou como uma consciência trágica de que se alimenta há séculos.
António Guerreiro, «A poesia sem interrupções», Relâmpago #2, Lisboa, Fundação Luís Miguel Nava e Relógio d'Água, 1998, p. 10.
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António Guerreiro
domingo, 4 de setembro de 2011
«Não se pode ensinar alguém a amar a grande poesia quando esse alguém chega até nós sem esse amor. Como é que se pode ensinar a solidão?»
Harold Bloom, O Cânone Ocidental, traduão de Manuel Frias Martins, Lisboa, Temas & Debates, 1997, p.467
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Harold Bloom
Só Sangue Cheira a Sangue
autor: Anna Akhmátova (Odessa, 24.VI.1889 -- Leninegrado, 5.III.1966)
título: Só o Sangue Cheira a Sangue
tradução, selecção, introdução e notas: Nina Guerra e Filipe Guerra
colecção: «Documenta Poética» #41
editora: Assírio & Alvim
págs.: 107
dimensões: 20,3x14,5x0,9 cm.; brochado.
impressão: Guide -- Artes Gráficas
obs.: edição bilingue; no interior, fotos de A. A. e retrato, por Kuzma Petrov-Vodkin.
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Anna Akhmátova
sábado, 3 de setembro de 2011
SOBRE O LINHO
A avó inclina-se sobre o linho
guarda estrelas no cesto do carvão
com as mãos gretadas pelo gelo das manhãs
pelos cristais de água da estação das chuvas
As histórias que conta são
as do assombro e da claridade ofuscada
pelo rasto dos cometas
Vorazes são os lobos insones
à beira dos portões da infância:
as crianças voam para o céu
Vejo-a arquejante sobre as almofadas
com a primavera agonizando nas janelas
guarda estrelas no cesto do carvão
com as mãos gretadas pelo gelo das manhãs
pelos cristais de água da estação das chuvas
As histórias que conta são
as do assombro e da claridade ofuscada
pelo rasto dos cometas
Vorazes são os lobos insones
à beira dos portões da infância:
as crianças voam para o céu
Vejo-a arquejante sobre as almofadas
com a primavera agonizando nas janelas
José Jorge Letria
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José Jorge Letria
sexta-feira, 2 de setembro de 2011
CORAÇÃO
Lembrança, quanta lembrança
dos tempos que já lá vão!
Minha vida de criança,
minha bolha-de-sabão!
Infância, que sorte cega,
que ventania cruel,
que enxurrada te carrega,
meu barquinho de papel?
Como vais, como te apartas,
e que sozinho que estou!
Ó meu castelo de cartas,
quem foi que te derrubou?
Tudo muda, tudo passa
neste mundo de ilusão:
vai para o céu a fumaça,
fica na terra o carvão.
Mas sempre, sem que te iludas,
cantando num mesmo tom,
só tu, coração, não mudas,
porque és puro e porque és bom.
dos tempos que já lá vão!
Minha vida de criança,
minha bolha-de-sabão!
Infância, que sorte cega,
que ventania cruel,
que enxurrada te carrega,
meu barquinho de papel?
Como vais, como te apartas,
e que sozinho que estou!
Ó meu castelo de cartas,
quem foi que te derrubou?
Tudo muda, tudo passa
neste mundo de ilusão:
vai para o céu a fumaça,
fica na terra o carvão.
Mas sempre, sem que te iludas,
cantando num mesmo tom,
só tu, coração, não mudas,
porque és puro e porque és bom.
Guilherme de Almeida
O que te leva, rio, a todos leva em si.
Aceita com coragem males e desgraças.
Em vão lutas e gritas, pois por mais que faças
aquel' que a todos leva, também leva a ti.
Aceita com coragem males e desgraças.
Em vão lutas e gritas, pois por mais que faças
aquel' que a todos leva, também leva a ti.
Paladas de Alexandria
(Jorge de Sena)
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Jorge de Sena-tradutor,
Paladas de Alexandria
quinta-feira, 1 de setembro de 2011
MONUMENTO A D. JOSÉ, LISBOA
Opulento pedestal
Luxuriante de vida
Tropical
Sobre que pousas
-- Rei europeu
Ou marajá hindú?
«...da Arábia, da Pérsia, da Índia...»
Ausente da pureza deste céu
Rei europeu
Apetecendo palanque e especiaria
Que país foi o teu?
Esta nesga de Europa
Com vinhedos
Ou sonhadas florestas
Onde enviavas a correr
Fidalgos-cavaleiros
Criados de teus paços?
Teus cavalos ligeiros
Ou pesados elefantes
Tropicais?...
-- Tuas glórias distantes
Nunca vistas
Sonhadas
Marajá desterrado!
Luxuriante de vida
Tropical
Sobre que pousas
-- Rei europeu
Ou marajá hindú?
«...da Arábia, da Pérsia, da Índia...»
Ausente da pureza deste céu
Rei europeu
Apetecendo palanque e especiaria
Que país foi o teu?
Esta nesga de Europa
Com vinhedos
Ou sonhadas florestas
Onde enviavas a correr
Fidalgos-cavaleiros
Criados de teus paços?
Teus cavalos ligeiros
Ou pesados elefantes
Tropicais?...
-- Tuas glórias distantes
Nunca vistas
Sonhadas
Marajá desterrado!
M. António
A PRIMEIRA BISNETA
Para o futuro neto da Teresa e do
Marcelo. Na noite de Natal de 1956.
Tal o menino Jesus
os meninos nascem nus...
Mas Aquele não tem frio,
vem lá do céu direitinho,
e no céu tudo é quentinho.
Os outros, quanto arrepio
no seu corpinho macio!
Então a Avó, com afã,
para evitar-lhe percalços,
por causa dos pés descalços,
corre a buscar sapatinhos
de boa lã
(boa lã da Covilhã)
que os pèzinhos aconchega...
Nenhum inverno lhes chega!
-- Oferta de puro amor
que é sempre o melhor calor.
João de Barros
quarta-feira, 31 de agosto de 2011
NA CIDADE NASCI
Na cidade, quem olha para o céu?
É preciso que passe o avião...
Quem me dera o silêncio, a solidão,
Onde pudesse, alguma vez, ser eu!
Na cidade nasci; nela nasceu
A minha dispersiva inquietação;
E o meu tumultuoso coração
Tem o pulsar caótico do seu.
Ah! Quem me dera, em vez de gasolina,
O cheiro da terra húmida, a resina
A flores do campo, a leite, a maresia!
Em vez da fria luz que me alumia,
O luar, sobre o mar, em tremulina...
-- Divina mão compondo uma poesia.
É preciso que passe o avião...
Quem me dera o silêncio, a solidão,
Onde pudesse, alguma vez, ser eu!
Na cidade nasci; nela nasceu
A minha dispersiva inquietação;
E o meu tumultuoso coração
Tem o pulsar caótico do seu.
Ah! Quem me dera, em vez de gasolina,
O cheiro da terra húmida, a resina
A flores do campo, a leite, a maresia!
Em vez da fria luz que me alumia,
O luar, sobre o mar, em tremulina...
-- Divina mão compondo uma poesia.
Carlos Queirós
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«estesias»,
Carlos Queirós
A PALAVRA INESPERADA
do estômago sobe-me a palavra inesperada
entre a língua destravada e o palato força-me
a boca desabusada desesperada
rasteira-me a mão e cai
sobre o papel
estatelada
13-VI-2003 /
/ 10-XII-2005
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«motu proprio»,
«oficinais»
terça-feira, 30 de agosto de 2011
-- Quem tem filhos, tem cadilhos. --
Tem-nos quem os não tiver.
Quem tem filhos ainda vive
Mesmo depois de morrer.
Tem-nos quem os não tiver.
Quem tem filhos ainda vive
Mesmo depois de morrer.
António Correia de Oliveira
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António Correia de Oliveira
COLAR DE PÉROLAS
Esse colar de pérolas sem par
Que te rodeia o colo acetinado,
Parece que rolou, brando e magoado,
Dos teus formosos olhos ao chorar...
Foram rolando as lágrimas e acharam
O teu seio tão pálido e tão frio
Que, apenas a mais límpida caiu,
As pobrezitas, trémulas, gelaram!
Que te rodeia o colo acetinado,
Parece que rolou, brando e magoado,
Dos teus formosos olhos ao chorar...
Foram rolando as lágrimas e acharam
O teu seio tão pálido e tão frio
Que, apenas a mais límpida caiu,
As pobrezitas, trémulas, gelaram!
João Saraiva
segunda-feira, 29 de agosto de 2011
HENRY LAYTON
Quem quer que sejas que aqui passas
sabe que meu pai era um carácter doce
e minha mãe violenta,
pelo que nasci feito de duas metades opostas
não misturadas nem fundidas,
mas diversas, e fràgilmente uma à outra soldadas.
Alguns de vós viram-me ser doce
outros violento
outros as duas coisas.
Mas não foi nenhuma das metades o que acabou comigo.
Foi o cair delas cada uma para seu lado.
nunca parte uma da outra,
o que me transformou numa vida sem alma.
sabe que meu pai era um carácter doce
e minha mãe violenta,
pelo que nasci feito de duas metades opostas
não misturadas nem fundidas,
mas diversas, e fràgilmente uma à outra soldadas.
Alguns de vós viram-me ser doce
outros violento
outros as duas coisas.
Mas não foi nenhuma das metades o que acabou comigo.
Foi o cair delas cada uma para seu lado.
nunca parte uma da outra,
o que me transformou numa vida sem alma.
Edgar Lee Masters
(Jorge de Sena)
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«traições»,
Edgar Lee Masters,
Jorge de Sena-tradutor
Elle s'est endormie, un soir, croisant ses bras,
Ses bras souples et blancs sur sa poitrine frêle,
Et fermant pour toujours ses yeux clairs, déjà las
De regarder ce monde, exil trop lourd pour Elle.
Elle vivait des fleurs, de rêves, d'idéal,
Âme, incarnation de la Ville eternelle.
Lentement étoufée, et d'un semblable mal,
La splendeur de Paris s'est éteinte avec Elle.
Et pendant que son corps attend pâle et glacé
La réssurection de sa beauté charnelle,
Dans ce monde où, royale et douce, Elle a passé,
Nous ne pouvons rester qu' en nous souvenant d'Elle.
Ses bras souples et blancs sur sa poitrine frêle,
Et fermant pour toujours ses yeux clairs, déjà las
De regarder ce monde, exil trop lourd pour Elle.
Elle vivait des fleurs, de rêves, d'idéal,
Âme, incarnation de la Ville eternelle.
Lentement étoufée, et d'un semblable mal,
La splendeur de Paris s'est éteinte avec Elle.
Et pendant que son corps attend pâle et glacé
La réssurection de sa beauté charnelle,
Dans ce monde où, royale et douce, Elle a passé,
Nous ne pouvons rester qu' en nous souvenant d'Elle.
Charles Cros
domingo, 28 de agosto de 2011
l'homme au verre de vin
numa sala do louvre dedicada à
pintura espanhola há um quadro
atribuído à escola portuguesa
de quatrocentos. é o
homem do copo de vinho, ou, dir-se-ia,
do copo de solidão; e é possível
que seja flamengo e triste. mas tomemos
a origem indicada como boa
para esse homem que vai entrar na noite,
gravemente na noite, como numa
parda natureza. eu nunca pude
obter um slide dessa imagem,
um bilhete postal, ou quaisquer dados
para situar aquela estranha placidez
de quem vai encontrar no vinho uma verdades, de
alguém que vou visitar de vez em quando,
para beber um copo em companhia.
é possível que fosse na flandres
algum feitor discreto e rico ou que em lisboa fosse
o português cultivado, melancólico,
segurando uma alcachofra minuciosa
que o pintor depois terá mudado
para tornar mais intenso o sentimento
ou mais real a sua digna sede.
pintura espanhola há um quadro
atribuído à escola portuguesa
de quatrocentos. é o
homem do copo de vinho, ou, dir-se-ia,
do copo de solidão; e é possível
que seja flamengo e triste. mas tomemos
a origem indicada como boa
para esse homem que vai entrar na noite,
gravemente na noite, como numa
parda natureza. eu nunca pude
obter um slide dessa imagem,
um bilhete postal, ou quaisquer dados
para situar aquela estranha placidez
de quem vai encontrar no vinho uma verdades, de
alguém que vou visitar de vez em quando,
para beber um copo em companhia.
é possível que fosse na flandres
algum feitor discreto e rico ou que em lisboa fosse
o português cultivado, melancólico,
segurando uma alcachofra minuciosa
que o pintor depois terá mudado
para tornar mais intenso o sentimento
ou mais real a sua digna sede.
Vasco Graça Moura
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«a paleta e o mundo»,
Vasco Graça Moura
sábado, 27 de agosto de 2011
CONVICÇÃO
Cai a tarde, cai a noite...
As sombras erguem-se do chão, fazem danças, contra-danças, rondas, ciladas.
As luzes da Câmara Municipal, presas aos fios que as vivem, guardam-nas e elas dançam-lhes de roda.
Eu passo; mas não passo como uma sombra: sou eu. Tenho um cartão de identidade e fatos por medida.
António Madeira
(Branquinho da Fonseca)
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«noite»,
António Madeira,
Branquinho da Fonseca
sexta-feira, 26 de agosto de 2011
Sonetos Luxuriosos
autor: Pietro Aretino (Arezzo, 20.IV.1492 -- Veneza, 21.X.1556)
título: Sonetos Luxuriosos
tradução: João Paulo Paes
edição: Guerra e Paz
local: Lisboa
ano: 2006
pág.: 67+30
dimensões: 19,5x11,6x1,2 cm. (cartonado)
capa e ilustrações: Luís Miguel Castro
impressão: Guide - Artes Gráficas
tiragem: 2000
obs.: edição bilingue; contracapa e 30 págs. invertidas, fotos com tratamento gráfico.
título: Sonetos Luxuriosos
tradução: João Paulo Paes
edição: Guerra e Paz
local: Lisboa
ano: 2006
pág.: 67+30
dimensões: 19,5x11,6x1,2 cm. (cartonado)
capa e ilustrações: Luís Miguel Castro
impressão: Guide - Artes Gráficas
tiragem: 2000
obs.: edição bilingue; contracapa e 30 págs. invertidas, fotos com tratamento gráfico.
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Pietro Aretino
quinta-feira, 25 de agosto de 2011
SONHO AMERICANO
O meu bisavô queria apenas passar por Portugal
e depois atravessar o Atlântico.
Mas teve de se contentar com chamar América à primeira filha.
e depois atravessar o Atlântico.
Mas teve de se contentar com chamar América à primeira filha.
David Teles Pereira
DA SERRA DA ARRÁBIDA
Do meio desta Serra derramando
A saudosa vista nas salgadas
Águas humildes, quando e quando inchadas,
Conforme a qual o tempo vai soprando,
Estou comigo só considerando,
Donde foram parar cousas passadas,
E donde irão presentes mal fundadas,
Que pelos mesmos passos vão passando.
Oh! Qual se representa nesta parte
Aquela derradeira hora de vida
Tão devida, tão certa, e tão incerta!
Em quantas tristes partes se reparte,
Dentro nesta alma minha, entristecida,
A dor, que em tais extremos desperta!
A saudosa vista nas salgadas
Águas humildes, quando e quando inchadas,
Conforme a qual o tempo vai soprando,
Estou comigo só considerando,
Donde foram parar cousas passadas,
E donde irão presentes mal fundadas,
Que pelos mesmos passos vão passando.
Oh! Qual se representa nesta parte
Aquela derradeira hora de vida
Tão devida, tão certa, e tão incerta!
Em quantas tristes partes se reparte,
Dentro nesta alma minha, entristecida,
A dor, que em tais extremos desperta!
Frei Agostinho da Cruz
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«estesias»,
Agostinho da Cruz
quarta-feira, 24 de agosto de 2011
PAZ (1)
Pedrinhas que o mar trouxe à areia branca,
Algas ao tanque verde a cor do rio,
Minha alma se desprende em luz, sombrio
O corpo sem entrada à porta franca.
Meus sonhos quem os fez nascer tranquilos,
Serenos? Não seria a hora incerta
Que o coração ouvisse a voz desperta
E deles não seria mais que ouvi-los.
Ó sugestão marítima perdida,
De algas e rios e o mais que à vida
Deve meu ser tornado em marinheiro,
Acorda em mim de novo a voz distante
De horizontes sem fim e a cada instante
Traz-me a paz tão roubada ao mundo inteiro.
Algas ao tanque verde a cor do rio,
Minha alma se desprende em luz, sombrio
O corpo sem entrada à porta franca.
Meus sonhos quem os fez nascer tranquilos,
Serenos? Não seria a hora incerta
Que o coração ouvisse a voz desperta
E deles não seria mais que ouvi-los.
Ó sugestão marítima perdida,
De algas e rios e o mais que à vida
Deve meu ser tornado em marinheiro,
Acorda em mim de novo a voz distante
De horizontes sem fim e a cada instante
Traz-me a paz tão roubada ao mundo inteiro.
Arnaldo França
CANGA
Jesualdo Monte, não és homem.
És um burro
carregado de ossos;
as palavras, insetos,
volteiam-te a garupa;
até a carne é hostil
sob a carcaça
e o presságio dos seres
te enternece.
Não te movem as fendas,
nem as urzes,
nem o jogo de vozes,
o repouso das tardes
e as vigas
que desceram ao rio
no teu lombo.
O mundo te apertou com sua cincha
e tudo em ti
transpõe o desespero,
desapegando patas e raízes.
É esta a condição de não ser homem:
dormir, placidamente, sem remorsos,
no curral dos mortos.
É esta a condição de não ser homem:
ruminar o assombro, junto ao feno,
receber o milagre sem transtorno,
seguindo sempre, onde manda o dono.
É esta a condição de não ser homem:
lanhado o casco por chicote lesto,
zurrar, apenas, mastigando o freio.
É esta a condição de não ser homem.
És um burro
carregado de ossos;
as palavras, insetos,
volteiam-te a garupa;
até a carne é hostil
sob a carcaça
e o presságio dos seres
te enternece.
Não te movem as fendas,
nem as urzes,
nem o jogo de vozes,
o repouso das tardes
e as vigas
que desceram ao rio
no teu lombo.
O mundo te apertou com sua cincha
e tudo em ti
transpõe o desespero,
desapegando patas e raízes.
É esta a condição de não ser homem:
dormir, placidamente, sem remorsos,
no curral dos mortos.
É esta a condição de não ser homem:
ruminar o assombro, junto ao feno,
receber o milagre sem transtorno,
seguindo sempre, onde manda o dono.
É esta a condição de não ser homem:
lanhado o casco por chicote lesto,
zurrar, apenas, mastigando o freio.
É esta a condição de não ser homem.
Carlos Nejar
terça-feira, 23 de agosto de 2011
IN A SENTIMENTAL MOOD
Aquele piano cama
só
evita levitar.
Geometria acesa
máquina
porta reta aberta
ao ponto
discreto inequilíbrio
plano
da euforia precisa
sentir pensar.
Sempre paraíso
feito completo
portátil por perto
riso ao sol perfeito
seu beijo como piano
como clima som desejo.
Aquele piano
na cama
sós
é vida
a se excitar.
só
evita levitar.
Geometria acesa
máquina
porta reta aberta
ao ponto
discreto inequilíbrio
plano
da euforia precisa
sentir pensar.
Sempre paraíso
feito completo
portátil por perto
riso ao sol perfeito
seu beijo como piano
como clima som desejo.
Aquele piano
na cama
sós
é vida
a se excitar.
Frederico Barbosa
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«o silêncio»,
Frederico Barbosa
REGRESSO
Não vim à procura de nada
Nem de saudades que não tenho
Nem de carga do tempo perdido
Nem de conflitos sobrenaturais
Do tempo e do espaço
Amei desde criança
Certas coisas que não choro
Fui a pureza deslumbrada que não volta jamais
O vidro sem ranhura que o sol atravessa
A pureza
Que me deixou feridas imortais
Vim para ver
Para ver de novo
Para contemplar sem perguntas
Não vim à procura de nada
Não me perguntem por nada
Um rio não se interroga
O vento não se arrepende
Nem de saudades que não tenho
Nem de carga do tempo perdido
Nem de conflitos sobrenaturais
Do tempo e do espaço
Amei desde criança
Certas coisas que não choro
Fui a pureza deslumbrada que não volta jamais
O vidro sem ranhura que o sol atravessa
A pureza
Que me deixou feridas imortais
Vim para ver
Para ver de novo
Para contemplar sem perguntas
Não vim à procura de nada
Não me perguntem por nada
Um rio não se interroga
O vento não se arrepende
Vila Cabral, 22-2-63
Alberto de Lacerda
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
A MÍ NO ME MIREN
Lo he dicho muchas veces y hasta me parece
que han sido demasiadas y tal vez inútiles
tantas justificaciones y disculpas:
no quiero que me cuenten entre ustedes.
No es por una cuestión de edad -me doy cuenta
que ustedes lo saben- ni por odio universal alguno
ni siquiera porque varios de ustedes me resultan
francamente insoportables.
Tampoco por temor a encontrarme
con ella, después de todo lo que pasara entre nosotros,
porque eso, para mí, es parte ya definitiva del olvido.
Simplemente, no quiero ser más uno de ustedes.
Me doy cuenta de que es muy difícil confesar esto
después de tantos años compartidos, en los que todos creímos
estar forjando una amistad hasta la muerte.
Por otra parte, la verdad es que recién ahora me doy cuenta
de las cosas que nos separan de modo –diría- inequívoco.
Tuvieron que pasar algunos años y muchas cosas
para eso, pero nunca es tarde para empezar
a decirse la verdad.
Se los digo: no quiero que me cuenten entre ustedes.
Caigo en la cuenta ahora: me aburren esas reuniones
en las que sólo nos adulamos unos a otros mientras tratamos
de ver de qué manera seducimos a las mujeres
de nuestros amigos, mientras se bebe sin medida
y muchas veces sin ganas y se discute sin altura
sobre las cosas más profundas
y se cantan, ya en la madrugada, canciones que suenan
irremediablemente previsibles mientras comienzan despedidas
tan patéticas como lacrimógenas. Puede que la mía
sea una visión antipática y por qué no injusta,
pero la verdad es que no puedo
mentirles: no quiero ser más uno de ustedes.
Por eso es que será difícil que volvamos a vernos como antes.
Empezaron a gustarme estas noches a solas, las caminatas
por una ciudad de la que me había ido alejando sin saberlo,
los nuevos amigos que se descubren sin buscarlos,
las mujeres de ojos grandes acodadas en la barra,
gente que no pide compromisos ni ofrece
reciprocidades absurdas. Entre ellos, suicidarse,
detonar una bomba, perderse en la selva,
son acciones naturales que difícilmente alteren su rutina.
He arribado al lugar indicado.
que han sido demasiadas y tal vez inútiles
tantas justificaciones y disculpas:
no quiero que me cuenten entre ustedes.
No es por una cuestión de edad -me doy cuenta
que ustedes lo saben- ni por odio universal alguno
ni siquiera porque varios de ustedes me resultan
francamente insoportables.
Tampoco por temor a encontrarme
con ella, después de todo lo que pasara entre nosotros,
porque eso, para mí, es parte ya definitiva del olvido.
Simplemente, no quiero ser más uno de ustedes.
Me doy cuenta de que es muy difícil confesar esto
después de tantos años compartidos, en los que todos creímos
estar forjando una amistad hasta la muerte.
Por otra parte, la verdad es que recién ahora me doy cuenta
de las cosas que nos separan de modo –diría- inequívoco.
Tuvieron que pasar algunos años y muchas cosas
para eso, pero nunca es tarde para empezar
a decirse la verdad.
Se los digo: no quiero que me cuenten entre ustedes.
Caigo en la cuenta ahora: me aburren esas reuniones
en las que sólo nos adulamos unos a otros mientras tratamos
de ver de qué manera seducimos a las mujeres
de nuestros amigos, mientras se bebe sin medida
y muchas veces sin ganas y se discute sin altura
sobre las cosas más profundas
y se cantan, ya en la madrugada, canciones que suenan
irremediablemente previsibles mientras comienzan despedidas
tan patéticas como lacrimógenas. Puede que la mía
sea una visión antipática y por qué no injusta,
pero la verdad es que no puedo
mentirles: no quiero ser más uno de ustedes.
Por eso es que será difícil que volvamos a vernos como antes.
Empezaron a gustarme estas noches a solas, las caminatas
por una ciudad de la que me había ido alejando sin saberlo,
los nuevos amigos que se descubren sin buscarlos,
las mujeres de ojos grandes acodadas en la barra,
gente que no pide compromisos ni ofrece
reciprocidades absurdas. Entre ellos, suicidarse,
detonar una bomba, perderse en la selva,
son acciones naturales que difícilmente alteren su rutina.
He arribado al lugar indicado.
Rafael Ielpi
(daqui)
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Rafael Ielpi
PALAVRAS DE JACOB DEPOIS DO SONHO
Amei a mulher, amei a terra, amei o mar
amei muitas coisas que hoje me é difícil enumerar
De muitas delas de resto falei
Não sei talvez eu me possa enganar
foram tantas as vezes que me enganei
mas por trás da mulher da terra e do mar
pareceu-me ver sempre outra coisa talvez o senhor
É esse o seu nome e nele não cabe temor
Mas depois deste sonho sou obrigado a cantar:
Eis que o senhor está neste lugar
Porquê não sei talvez uma pequena haste balance
talvez sorria alguma criança
Terrível não é o homem sozinho na tarde
como noutro tempo de esplendor cantei
Terrível é este lugar
Terrível porquê? Não sei bem
Talvez porque o senhor pisa esta terra com os seus pés
(lembro-me até de que mandou tirar as sandálias a moisés)
Levanto os dois braços aos céus
Aqui -- mulher terra mar --
Aqui só pode ser a casa de deus
amei muitas coisas que hoje me é difícil enumerar
De muitas delas de resto falei
Não sei talvez eu me possa enganar
foram tantas as vezes que me enganei
mas por trás da mulher da terra e do mar
pareceu-me ver sempre outra coisa talvez o senhor
É esse o seu nome e nele não cabe temor
Mas depois deste sonho sou obrigado a cantar:
Eis que o senhor está neste lugar
Porquê não sei talvez uma pequena haste balance
talvez sorria alguma criança
Terrível não é o homem sozinho na tarde
como noutro tempo de esplendor cantei
Terrível é este lugar
Terrível porquê? Não sei bem
Talvez porque o senhor pisa esta terra com os seus pés
(lembro-me até de que mandou tirar as sandálias a moisés)
Levanto os dois braços aos céus
Aqui -- mulher terra mar --
Aqui só pode ser a casa de deus
BIRDS IN THE NIGHT
Ouço-as à noite, trémulo-erradias,
Pássaros negros! lúcida Saudade!
O silêncio da Altura que as invade,
Suavíssimo-serenas Harmonias!
Cítaras, que, através da Imensidade,
O lento ressurgir de épocas frias
Vão embalando, brandas e macias,
Em acordes de amor e piedade...
Ouço-as, Alma da Sombra, veludosas,
Como do Sonho às portas luminosas
A esta saudade que me faz cantar;
Ouço-as, à noite, cantam! indizíveis,
Misteriosos sons intraduzíveis!
Metamorfoses brancas do Luar!
Pássaros negros! lúcida Saudade!
O silêncio da Altura que as invade,
Suavíssimo-serenas Harmonias!
Cítaras, que, através da Imensidade,
O lento ressurgir de épocas frias
Vão embalando, brandas e macias,
Em acordes de amor e piedade...
Ouço-as, Alma da Sombra, veludosas,
Como do Sonho às portas luminosas
A esta saudade que me faz cantar;
Ouço-as, à noite, cantam! indizíveis,
Misteriosos sons intraduzíveis!
Metamorfoses brancas do Luar!
Gustavo Santiago
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Gustavo Santiago
domingo, 21 de agosto de 2011
sábado, 20 de agosto de 2011
CONTRAPONTO
Vestido negro,
cinto vermelho.
Luto precoce
da tua carne!
Nele se enlaça
o meu desejo.
Vestido negro?
Cinto vermelho!
cinto vermelho.
Luto precoce
da tua carne!
Nele se enlaça
o meu desejo.
Vestido negro?
Cinto vermelho!
David Mourão-Ferreira
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David Mourão-Ferreira
sexta-feira, 19 de agosto de 2011
VARIACIONES NEL MIO NOME
Tu,
que podíes ser Joao Velho
na claridá azul de Sintra.
Allá alantre, distante y amigu,
presientes a to señor El-Rei,
Dom Sebastián.
Tu,
qu'andes una tierra remota
y llámeste Jean Vieilh.
Remebres aquellos díes
tan tristes de l'Auvernia
mentes escuches per primer vez
-- immensa y rara --
la voz del dios del ríu:
Misisipi.
Tu, John Oldman,
bucaneru en Tortuga:
el mesmu Henry Morgan
a disparar per ti.
Tu, que dibes ser Juan el Viejo
allá nes tierres de Soria:
llabren afuera los bueis
la seronda del Faidor.
Y tu,
qué estraño,
llamat Xuan Bello
y tar equí, n'Uviéu,
pasando visiones escures
al asturiano claro.
Saber que to patria
siempre queda aende.
Ellí onde tu nun tas.
que podíes ser Joao Velho
na claridá azul de Sintra.
Allá alantre, distante y amigu,
presientes a to señor El-Rei,
Dom Sebastián.
Tu,
qu'andes una tierra remota
y llámeste Jean Vieilh.
Remebres aquellos díes
tan tristes de l'Auvernia
mentes escuches per primer vez
-- immensa y rara --
la voz del dios del ríu:
Misisipi.
Tu, John Oldman,
bucaneru en Tortuga:
el mesmu Henry Morgan
a disparar per ti.
Tu, que dibes ser Juan el Viejo
allá nes tierres de Soria:
llabren afuera los bueis
la seronda del Faidor.
Y tu,
qué estraño,
llamat Xuan Bello
y tar equí, n'Uviéu,
pasando visiones escures
al asturiano claro.
Saber que to patria
siempre queda aende.
Ellí onde tu nun tas.
Xuan Bello
Meu senhor arcebispo, and' eu escomungado,
porque fiz lealdade; enganou-m'i o pecado.
Soltade-m', ai, senhor,
e jurarei, mandado, que seja traedor.
Se traiçon fezesse, nunca vo-la diria;
mais, pois fiz lealdade, vel por Santa Maria,
Soltade-m', ai, senhor,
e jurarei, mandado, que seja traedor.
Per mha malaventura tive um castelo em Sousa
e dei-o a seu don', e tenho que fiz gran cousa:
Soltade-m', ai, senhor,
e jurarei, mandado, que seja traedor.
Per meus negros pecados, tive um castelo forte
e dei-o a seu don', e ei medo da morte.
Soltade-m', ai, senhor,
e jurarei, mandado, que seja traedor.
porque fiz lealdade; enganou-m'i o pecado.
Soltade-m', ai, senhor,
e jurarei, mandado, que seja traedor.
Se traiçon fezesse, nunca vo-la diria;
mais, pois fiz lealdade, vel por Santa Maria,
Soltade-m', ai, senhor,
e jurarei, mandado, que seja traedor.
Per mha malaventura tive um castelo em Sousa
e dei-o a seu don', e tenho que fiz gran cousa:
Soltade-m', ai, senhor,
e jurarei, mandado, que seja traedor.
Per meus negros pecados, tive um castelo forte
e dei-o a seu don', e ei medo da morte.
Soltade-m', ai, senhor,
e jurarei, mandado, que seja traedor.
Diego Pezelho
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Diego Pezelho
quinta-feira, 18 de agosto de 2011
OS INSIGNIFICANTES
O custo das casas
por incrível que pareça
sugere a possibilidade
de uma outra vida
a alma não mora debaixo do seu tempo
traz de tão longe a fragrância
de uma vegetação que cresce
mais abaixo junto à represa
um trecho de sombra
a estação tornou tudo amarelo uma última vez
o pinheiro, o rumor dos caçadores, a corrida atrapalhada da perdiz
nas vagas recordações
a orla de uma alegria que ninguém viu
os insignificantes flutuam
ao vento contínuo de Deus
por incrível que pareça
sugere a possibilidade
de uma outra vida
a alma não mora debaixo do seu tempo
traz de tão longe a fragrância
de uma vegetação que cresce
mais abaixo junto à represa
um trecho de sombra
a estação tornou tudo amarelo uma última vez
o pinheiro, o rumor dos caçadores, a corrida atrapalhada da perdiz
nas vagas recordações
a orla de uma alegria que ninguém viu
os insignificantes flutuam
ao vento contínuo de Deus
José Tolentino Mendonça
Antología Poética
autor: Antonio Machado
título: Antología Poética
introdução e selecção: Arturo Ramoneda
colecção: «Alianza Cien» #65
editora: Alianza Editorial
local: Madrid
ano: 1995
págs.: 92
dimensões: 14,8x10x0,6 cm. (brochado)
capa: Ángel Uriarte sobre retrato de Machado por Pablo Picasso
impressão: Novoprint
título: Antología Poética
introdução e selecção: Arturo Ramoneda
colecção: «Alianza Cien» #65
editora: Alianza Editorial
local: Madrid
ano: 1995
págs.: 92
dimensões: 14,8x10x0,6 cm. (brochado)
capa: Ángel Uriarte sobre retrato de Machado por Pablo Picasso
impressão: Novoprint
Etiquetas:
«teoria das fontes»,
Antonio Machado
quarta-feira, 17 de agosto de 2011
GENEALOGIA
Desconheço as palavras que os antepassados
proferiram, na genealogia celular da reprodução.
Imagino-os a balbuciar estranhos sentimentos
junto aos muros das casas nubladas de memória.
Observar o perfil dos mais recentes frutos
dessa árvore cujas raízes se perdem
no subsolo da transfiguração.
Descobrir semelhanças, prever diferenças que só
o seio da terra guarda na sua eternidade de segredos.
Aqui estamos, parentes próximos e longínquos
sujeitos à ditadura dos códigos genéticos.
E também dos vermes que descodificam na terra
a indiferença dos que hão-de suceder-nos
proferiram, na genealogia celular da reprodução.
Imagino-os a balbuciar estranhos sentimentos
junto aos muros das casas nubladas de memória.
Observar o perfil dos mais recentes frutos
dessa árvore cujas raízes se perdem
no subsolo da transfiguração.
Descobrir semelhanças, prever diferenças que só
o seio da terra guarda na sua eternidade de segredos.
Aqui estamos, parentes próximos e longínquos
sujeitos à ditadura dos códigos genéticos.
E também dos vermes que descodificam na terra
a indiferença dos que hão-de suceder-nos
João Candeias
terça-feira, 16 de agosto de 2011
PIRATARIA
Antigamente embarquei para a Índia.
Mas quando a estrela não é boa já se não volta a Lisboa nem se lá chega, também. Os marinheiros revoltaram-se e abandonaram-me nesta ilha deserta em que só há macacos e bananas.
Cego a olhar o mar, esperando que passe um navio que me regresse à Pátria.
António Madeira
[Branquinho da Fonseca]
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António Madeira,
Branquinho da Fonseca
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
Ai, pudesse eu ser pintor e verter
numa folha impressa, limpa, as cores todas
que a cidade me reserva no seu bojo
de água clara e luz aquietada rente
aos muros das hortas e às paredes rosa velho
dos prédios da memória da infância.
Ai, pudesse eu transfigurar-me em ave
daquelas que salpicam em voo o cetim
azul das tardes e pintaria a golpes de asa
uma outra vocação que não a minha, talvez
a tonitruante vocação dos hereges, dos
revoltosos, dos anunciadores de tudo
o que se muda e se transforma; outro
desígnio não quereria ter a não ser este:
o de me fazer na cor comum do que vejo e sinto.
numa folha impressa, limpa, as cores todas
que a cidade me reserva no seu bojo
de água clara e luz aquietada rente
aos muros das hortas e às paredes rosa velho
dos prédios da memória da infância.
Ai, pudesse eu transfigurar-me em ave
daquelas que salpicam em voo o cetim
azul das tardes e pintaria a golpes de asa
uma outra vocação que não a minha, talvez
a tonitruante vocação dos hereges, dos
revoltosos, dos anunciadores de tudo
o que se muda e se transforma; outro
desígnio não quereria ter a não ser este:
o de me fazer na cor comum do que vejo e sinto.
José Jorge Letria
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«a paleta e o mundo»,
José Jorge Letria
domingo, 14 de agosto de 2011
recitativo VIII
quando, de duas casas contíguas, uma é demolida
e ficam na parede da outra os restos inegáveis
da primeira, rectângulos alinhados da
pintura de cada divisão e onde às vezes
se nota ainda a marca de uma estante
e se fica a saber que «ali houve uma casa», elemento
preciso de uma hierarquia de coisas e pessoas
administradas sob o estuque da teologia, quando
as águas e as luas parecem ter escorrido
com alguma dureza no pano da parede
e uma espécie de púbis alastra na pintura, sombriamente,
como um fumo muito velho, um fumo da razão
tocada pelo vento, e cresce mato
na base
e ficam na parede da outra os restos inegáveis
da primeira, rectângulos alinhados da
pintura de cada divisão e onde às vezes
se nota ainda a marca de uma estante
e se fica a saber que «ali houve uma casa», elemento
preciso de uma hierarquia de coisas e pessoas
administradas sob o estuque da teologia, quando
as águas e as luas parecem ter escorrido
com alguma dureza no pano da parede
e uma espécie de púbis alastra na pintura, sombriamente,
como um fumo muito velho, um fumo da razão
tocada pelo vento, e cresce mato
na base
Vasco Graça Moura
quinta-feira, 28 de julho de 2011
As tuas coxas de firme e elástico contorno
E de doces energias,
Que cálice de segredos rompe a sua dureza vertical?
Que sombra de apertadas e nocturnas pestanas
Lhes empresta essa agilidade comprometida?
Peixe que só tem a água do amor.
E de doces energias,
Que cálice de segredos rompe a sua dureza vertical?
Que sombra de apertadas e nocturnas pestanas
Lhes empresta essa agilidade comprometida?
Peixe que só tem a água do amor.
Joaquim Gomes Mota
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«excitações»,
Joaquim Gomes Mota
terça-feira, 26 de julho de 2011
segunda-feira, 25 de julho de 2011
POÉTICA
Estes quantos traços que se parecem com a sombra
(às mãos devemos também a solidão mais implacável)
talvez nem mereçam essa forma de lentidão: a leitura
escrevi-os num jardim onde patos grasnam ao frio
e folhas se despenham atrás do vento
Sobre a terra sem nenhum rumor
um verso é sempre tão pouco
em redor do que se pode observar
tenho medo pois de repente
a tua respiração ficou demasiado perto
da essência instável, dissonante
E isso é tudo o que nos resta
(às mãos devemos também a solidão mais implacável)
talvez nem mereçam essa forma de lentidão: a leitura
escrevi-os num jardim onde patos grasnam ao frio
e folhas se despenham atrás do vento
Sobre a terra sem nenhum rumor
um verso é sempre tão pouco
em redor do que se pode observar
tenho medo pois de repente
a tua respiração ficou demasiado perto
da essência instável, dissonante
E isso é tudo o que nos resta
José Tolentino Mendonça
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«estesias»,
José Tolentino Mendonça
domingo, 24 de julho de 2011
Um homem caído no seu corpo
ainda vai cair um pouco mais
e morder vicioso o seu pó
como se o dom do pó lhe desse paz,
não a paz de homem, que já não é,
mas um resto de migalhas e sílabas
que têm de seu a pureza extrema
tão comum a homens como a bichos
e aos outros habitantes deste mundo
caídos num corpo mais disciplinado
por mais que seja leve ou obscuro
o que não sabemos estar do outro lado _____
Casimiro de Brito
sábado, 23 de julho de 2011
GEOGRAFIA
Quem sobe há-de descer e quem desce há-de subir. Não se sobe eternamente, nem se desce eternamente -- porque o mundo é redondo.
António Madeira
[Branquinho da Fonseca]
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António Madeira,
Branquinho da Fonseca
sexta-feira, 22 de julho de 2011
UM FOGO O PERCORRE
No ângulo raso do rosto
a palavra se esmaga
violenta
No ângulo recto da raiva
a lâmina se quebra
imprevista
No rumor da maré
o corpo todo se altera
dolente
O sangue não pára nos lábios
correndo pelos canais
amargo
A memória ainda se repete
no cristal dos olhos
em redor
O amor de súbito
se torna ácido agreste
de ponta a ponta fascinado
Um fogo o percorre
intensamente
a palavra se esmaga
violenta
No ângulo recto da raiva
a lâmina se quebra
imprevista
No rumor da maré
o corpo todo se altera
dolente
O sangue não pára nos lábios
correndo pelos canais
amargo
A memória ainda se repete
no cristal dos olhos
em redor
O amor de súbito
se torna ácido agreste
de ponta a ponta fascinado
Um fogo o percorre
intensamente
José Jorge Letria
quinta-feira, 21 de julho de 2011
DOMICÍLIO VIGIADO
amar é difícil (risco um fósforo
o fogo estala monstruosamente)
requer muito esforço continuado de abstracção
como andar de bicicleta
já tentei sangrar os dedos com uma faca
as ilusões desfeitas
correm as lágrimas ao rio na infância do mundo
bobby sands e o seu magnífico esqueleto didáctico
a malta no soweto a dançar e a rir
o sentido do tempo.
que é ser-se uma casa devoluta e indisponível?
a insónia macerada de pés nus
em tábuas velhas e infectas
abjecta circunvagação de jornais livros e aguardente
amar é difícil -- quod erat demonstrandum
lá fora devagar a chuva cai
(o cigarro arde as têmporas explodem)
e sacode-me a face como um látego.
o fogo estala monstruosamente)
requer muito esforço continuado de abstracção
como andar de bicicleta
já tentei sangrar os dedos com uma faca
as ilusões desfeitas
correm as lágrimas ao rio na infância do mundo
bobby sands e o seu magnífico esqueleto didáctico
a malta no soweto a dançar e a rir
o sentido do tempo.
que é ser-se uma casa devoluta e indisponível?
a insónia macerada de pés nus
em tábuas velhas e infectas
abjecta circunvagação de jornais livros e aguardente
amar é difícil -- quod erat demonstrandum
lá fora devagar a chuva cai
(o cigarro arde as têmporas explodem)
e sacode-me a face como um látego.
João Paulo Monteiro
(Ângelo Novo)
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Angelo Novo,
João Paulo Monteiro
quarta-feira, 20 de julho de 2011
A MORTE
A alma escala as montanhas do frio e vai
abandonando o corpo,
do qual foi chama;
quando atinge o cume
contempla um céu sereno, benigno
onde se irá acolher;
ou navega junto ao círculo polar
até chegar a uma baía
de água límpida e quente?
Na escuridão da caverna
um medo vigia os nossos actos,
medo de que a vida seja apenas isto --
sombras projectadas na parede,
dor pelos caminhos,
até findar um dia, no sem sentido
de um corpo perecível.
Necessidade de saber, derradeiro
e redentor o desejo
ao acender no peito a ilusão
da vitória da vida
sobre o nada.
Na inútil função consoladora da poesia.
abandonando o corpo,
do qual foi chama;
quando atinge o cume
contempla um céu sereno, benigno
onde se irá acolher;
ou navega junto ao círculo polar
até chegar a uma baía
de água límpida e quente?
Na escuridão da caverna
um medo vigia os nossos actos,
medo de que a vida seja apenas isto --
sombras projectadas na parede,
dor pelos caminhos,
até findar um dia, no sem sentido
de um corpo perecível.
Necessidade de saber, derradeiro
e redentor o desejo
ao acender no peito a ilusão
da vitória da vida
sobre o nada.
Na inútil função consoladora da poesia.
Jorge Gomes Miranda
terça-feira, 19 de julho de 2011
ORDEM
Anda, disse aquele a quem chamavam tio, ajudar-me no vidrão. E tu, acrescentou, vai pôr a mesa. Foram. Deixando o Scarlatti para trás.
Adormece a luz, pesada, sobre as minhas crianças obedientes. Veraneiam, ele e elas, numa cidade onde há muito se deformam os burgueses.
Nada de mais, apenas um tédio conveniente -- segreda uma voz de cinza.
Nem o Scarlatti se revolta?
Gent, 1997
João Pedro Mésseder
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«o silêncio»,
João Pedro Mésseder
segunda-feira, 18 de julho de 2011
A VOZ SOLITÁRIA DO HOMEM
Há palavras que escrevemos mais depressa
o terror dessas palavras derruba
o passado dos homens
são tão pouco: vestígios, índices, poeira
mas nada lhe é desconhecido
as horas em que vigiamos o escuro
os sítios nenhuns das imagens
a ligeira mudança que resgataria
o abandono, todo o abandono
o terror dessas palavras derruba
o passado dos homens
são tão pouco: vestígios, índices, poeira
mas nada lhe é desconhecido
as horas em que vigiamos o escuro
os sítios nenhuns das imagens
a ligeira mudança que resgataria
o abandono, todo o abandono
José Tolentino Mendonça
domingo, 17 de julho de 2011
NEBULOSA
Certo passado audaz, revivo
apenas, sob um céu menos escuro:
se eu vivo para o futuro
quer dizer que já o vivo.
Futuro!
Quando te posso ver, por ti plena aurora,
condena-te a presença,
és este agora
que eu possuo
como a abelha suga a rosa;
e sem que o resto me importe...
Mas antes ou depois ver-te ou pensar-te
é ver uma nebulosa...
-- é como pensar na morte...
apenas, sob um céu menos escuro:
se eu vivo para o futuro
quer dizer que já o vivo.
Futuro!
Quando te posso ver, por ti plena aurora,
condena-te a presença,
és este agora
que eu possuo
como a abelha suga a rosa;
e sem que o resto me importe...
Mas antes ou depois ver-te ou pensar-te
é ver uma nebulosa...
-- é como pensar na morte...
Edmundo de Bettencourt
Sob a Noite Física
autor: Carlito Azevedo
título: Sob a Noite Física
editora: Livros Cotovia
local: Lisboa
ano: 2001
págs.: 65
dimensões: 20,5x13,1x0,7 cm. (brochado + sobrecapa vegetal)
capa: João Botelho
impressão: Tipografia Guerra, Viseu
tiragem: 750
título: Sob a Noite Física
editora: Livros Cotovia
local: Lisboa
ano: 2001
págs.: 65
dimensões: 20,5x13,1x0,7 cm. (brochado + sobrecapa vegetal)
capa: João Botelho
impressão: Tipografia Guerra, Viseu
tiragem: 750
Etiquetas:
«teoria das fontes»,
Carlito Azevedo
sábado, 16 de julho de 2011
A loba é um bicho estranho, um vizinho
atarefado, que trabalha para um desígnio estranho
e obsessivo ___ como pensar noutra coisa, construir
outra cabana se o meu sono deixou de ser
um ovo, uma ilha? Perco-me neste arquipélago demente
e cheio de remoinhos _____ ainda ouço ao longe
o canto da cigarra, ainda não perdi
a lembrança de que sou um homem
embora mais antigo do que são os homens
que se julgam poderosos. Se vêm à minha mão
as aves do velho paraíso
alguma coisa escutarão no meu ombro
cansado ____ sou um homem antigo
e venho de muito longe, de matéria ondulantes
mais antigas ainda, vestígios num olhar
onde se reflectem montanhas
mais distantes ainda : ainda
que me detenha no meu jardim
contemplando as cerejeiras
a sombra do meu corpo antigo
caminha sem mim
de casa em casa,
de feira em feira.
Casimiro de Brito
Etiquetas:
«bichos»,
Casimiro de Brito
quinta-feira, 14 de julho de 2011
Olha essas flores. São, assim
Regadas pela dádiva da chuva,
Como que estrelas num céu de jardim
Devagar tombando uma a uma.
Furtivamente querendo escutar
Dir-se-ia que um génio de espuma
Procurou saber o seu segredo
E se desfolharam para o castigar.
E eis que a mão da brisa em seu enredo
Sobre o inquieto dorso do arroio
Caprichou em bolhinhas de enfeitar.
Regadas pela dádiva da chuva,
Como que estrelas num céu de jardim
Devagar tombando uma a uma.
Furtivamente querendo escutar
Dir-se-ia que um génio de espuma
Procurou saber o seu segredo
E se desfolharam para o castigar.
E eis que a mão da brisa em seu enredo
Sobre o inquieto dorso do arroio
Caprichou em bolhinhas de enfeitar.
Ibn Al-A'lam As-Santamari
(Adalberto Alves)
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Adalberto Alves-tradutor,
Ibn Al-a'lam As-Santamari
A UM ADOLESCENTE
Faze do instante que passa
toda a tua inspiração,
que o mundo cheio de graça
caberá na tua mão!
Sê sóbrio: com um copo de água,
um fruto e um pouco de pão,
nem sombra de leve mágoa
cortará teu coração...
Ama a rude terra virgem,
com todo o teu rude amor:
pois colherás na vertigem
de cada sonho uma flor.
Sofre em silêncio, sòzinho,
porque os sofrimentos são
o mais saboroso vinho
para a sombra e a solidão...
E, quando um dia, o cansaço
descer ao teu coração,
une à terra o peito lasso
e morre, beijando o chão!
Morre assim como indeciso
fumo que nos ares vai,
morre num breve sorriso,
como uma folha que cai...
toda a tua inspiração,
que o mundo cheio de graça
caberá na tua mão!
Sê sóbrio: com um copo de água,
um fruto e um pouco de pão,
nem sombra de leve mágoa
cortará teu coração...
Ama a rude terra virgem,
com todo o teu rude amor:
pois colherás na vertigem
de cada sonho uma flor.
Sofre em silêncio, sòzinho,
porque os sofrimentos são
o mais saboroso vinho
para a sombra e a solidão...
E, quando um dia, o cansaço
descer ao teu coração,
une à terra o peito lasso
e morre, beijando o chão!
Morre assim como indeciso
fumo que nos ares vai,
morre num breve sorriso,
como uma folha que cai...
Ronald de Carvalho
quarta-feira, 13 de julho de 2011
Da Morte o gado somos, matadouro a vida.
A morte nos abate -- sabe Deus porquê.
A morte nos abate -- sabe Deus porquê.
Paladas
(Jorge de Sena)
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Jorge de Sena-tradutor,
Paladas de Alexandria
MULATA
Graça feita de candura e de malícia,
Sabedoria da carne,
Animal vitorioso e generoso,
Vértice de experiências convergentes.
Equador de duas civilizações,
Tu, bela, tu, fecunda, tu, menina,
Primeira e magnífica descoberta,
Filha da História
(Filha do pecado?)
És zombeteira e triste.
Ponto,
Pêndulo,
Suspensão,
Carne retalhada
Por centrífugas forças que te chamam,
Cedo ou tarde nascida?
Cedo ainda?
Resíduo apenas?
Simbólica dança escultural da paz,
Ou virgem imolada no altar do fogo?
Caminhas e meus olhos perdem-se
Mais que nas linhas frementes do teu corpo,
Na luz oblíqua dos teus olhos pávidos.
Esplêndida encarnação do amor sem margens,
Tu, bela, tu, menina,
Mulata,
Interrogação da época.
Sabedoria da carne,
Animal vitorioso e generoso,
Vértice de experiências convergentes.
Equador de duas civilizações,
Tu, bela, tu, fecunda, tu, menina,
Primeira e magnífica descoberta,
Filha da História
(Filha do pecado?)
És zombeteira e triste.
Ponto,
Pêndulo,
Suspensão,
Carne retalhada
Por centrífugas forças que te chamam,
Cedo ou tarde nascida?
Cedo ainda?
Resíduo apenas?
Simbólica dança escultural da paz,
Ou virgem imolada no altar do fogo?
Caminhas e meus olhos perdem-se
Mais que nas linhas frementes do teu corpo,
Na luz oblíqua dos teus olhos pávidos.
Esplêndida encarnação do amor sem margens,
Tu, bela, tu, menina,
Mulata,
Interrogação da época.
1961
Antero Abreu
Antero Abreu
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Antero Abreu
terça-feira, 12 de julho de 2011
CADERNO
As linhas das mãos
prolongam os veios (dos campos).
Alguém recolhe as últimas estrelas
(no outro lado do coração).
Nenhum agravo ou ferida.
Apenas um caderno aberto
ante o assombro da escrita.
prolongam os veios (dos campos).
Alguém recolhe as últimas estrelas
(no outro lado do coração).
Nenhum agravo ou ferida.
Apenas um caderno aberto
ante o assombro da escrita.
Fernando Jorge Fabião
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Fernando Jorge Fabião
segunda-feira, 11 de julho de 2011
BRUEGHEL
Representados estão os meses outonais,
os rituais da caça, as parábolas
e os exorcismos, as peregrinações
e os horrores da carne na tela luminosa
do pintor que se senta a ver
dançar os camponeses e conta de babel
o tecido alucinante de mil línguas
fundindo-se em espirais de som
Pelas veredas abertas na neve
se evadem os caçadores e suas sombras
furtivas e trémulas e o pintor
à maneira de quem recorda um provérbio flamengo
tira do cerimonial das cores uma moral
justa e eterna: a felicidade do homem
é um tríptico incompleto
com pássaros vorazes planando em volta
os rituais da caça, as parábolas
e os exorcismos, as peregrinações
e os horrores da carne na tela luminosa
do pintor que se senta a ver
dançar os camponeses e conta de babel
o tecido alucinante de mil línguas
fundindo-se em espirais de som
Pelas veredas abertas na neve
se evadem os caçadores e suas sombras
furtivas e trémulas e o pintor
à maneira de quem recorda um provérbio flamengo
tira do cerimonial das cores uma moral
justa e eterna: a felicidade do homem
é um tríptico incompleto
com pássaros vorazes planando em volta
José Jorge Letria
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José Jorge Letria
CIDADE, RUMOR E VAIVÉM
Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,
Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber que existe o mar e as praias nuas,
Montanhas sem nome e planícies mais vastas
Que o mais vasto desejo,
E eu estou em ti fechada e apenas vejo
Os muros e as paredes, e não vejo
Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.
Saber que tomas em ti a minha vida
E que arrastas pela sombra das paredes
A minha alma que fora prometida
Às ondas brancas e às florestas verdes.
Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber que existe o mar e as praias nuas,
Montanhas sem nome e planícies mais vastas
Que o mais vasto desejo,
E eu estou em ti fechada e apenas vejo
Os muros e as paredes, e não vejo
Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.
Saber que tomas em ti a minha vida
E que arrastas pela sombra das paredes
A minha alma que fora prometida
Às ondas brancas e às florestas verdes.
Sophia de Mello Breyner Andresen
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Sophia de Mello Breyner Andresen
-- De hora a hora Deus melhora. --
Podes ter fé no rifão.
Mas não durmas: vai buscando
Remédio por tua mão...
Podes ter fé no rifão.
Mas não durmas: vai buscando
Remédio por tua mão...
António Correia de Oliveira
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António Correia de Oliveira
domingo, 10 de julho de 2011
O Massacre dos Inocentes
autor: W. H. Auden (York, 21.II.1907 -- Kischtetten, Áustria, 29.IX.1973)
título: O Massacre dos Inocentes
subtítulo: Uma Antologia
selecção, tradução e notas: José Alberto Oliveira
colecção: «Documenta Poética» #24
editora: Assírio & Alvim
págs.: 171
dimensões: 20,5x14,7x1 cm. (brochado)
composição: Maria da Graça Manta
impressão: Guide - Artes Gráficas
título: O Massacre dos Inocentes
subtítulo: Uma Antologia
selecção, tradução e notas: José Alberto Oliveira
colecção: «Documenta Poética» #24
editora: Assírio & Alvim
págs.: 171
dimensões: 20,5x14,7x1 cm. (brochado)
composição: Maria da Graça Manta
impressão: Guide - Artes Gráficas
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«teoria das fontes»,
José Alberto Oliveira-tradutor,
W. H. Auden
sábado, 9 de julho de 2011
LUNAR
Maior que a vastidão de areia, a solidão do deserto. O oásis é efémero, para a etérea miragem.
E o sol, que já cedeu à lua, entre as dunas ainda resplandece.
E o sol, que já cedeu à lua, entre as dunas ainda resplandece.
José de Matos-Cruz
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José de Matos-Cruz
sexta-feira, 8 de julho de 2011
NOITES DE MACAU (2)
Na boca da noite os minerais
disfarçam sorrisos,
gestos hábeis,
em camas de cetim.
O ouro e a prata deslizam
para lugares mais secretos,
rivalizam com o jade, o dragão,
retiram o calar da noite,
vestem-se dele,
mandarins de botão vermelho
e pena de pavão.
disfarçam sorrisos,
gestos hábeis,
em camas de cetim.
O ouro e a prata deslizam
para lugares mais secretos,
rivalizam com o jade, o dragão,
retiram o calar da noite,
vestem-se dele,
mandarins de botão vermelho
e pena de pavão.
António Augusto Menano
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António Augusto Menano
quinta-feira, 7 de julho de 2011
DESGOSTOSA
O seu riso gentil que ainda me arrasta,
Como quem vai seguindo no deserto
Os raios dum clarão que julga perto,
Mas que a segui-lo toda a vida gasta;
Sua voz, seu olhar, sua alma casta,
Todo esse altivo e festival concerto
-- Brancas formas de luz que ao seio aperto
Sonhadamente, numa dor nefasta...
Esse porte de brilho e majestade,
E o seu modo de ser, doce e honesto,
Tudo a sombra da Mágoa, sem piedade,
Velou, tocando-a com seu ar funesto!
Nunca eu sonhasse, ó íntima saudade,
Seu riso, voz, olhar e alma e gesto!...
Como quem vai seguindo no deserto
Os raios dum clarão que julga perto,
Mas que a segui-lo toda a vida gasta;
Sua voz, seu olhar, sua alma casta,
Todo esse altivo e festival concerto
-- Brancas formas de luz que ao seio aperto
Sonhadamente, numa dor nefasta...
Esse porte de brilho e majestade,
E o seu modo de ser, doce e honesto,
Tudo a sombra da Mágoa, sem piedade,
Velou, tocando-a com seu ar funesto!
Nunca eu sonhasse, ó íntima saudade,
Seu riso, voz, olhar e alma e gesto!...
António Fogaça
A SOLIDÃO E SUA PORTA
Quando mais nada resistir que valha
a pena de viver e a dor de amar
e quando nada mais interessar
(nem o torpor do sono que se espalha).
Quando, pelo desuso da navalha
a barba livremente caminhar
e até Deus em silêncio se afastar
deixando-te sòzinho na batalha
e aquietar na sombra a despedida
do mundo que te foi contraditório,
lembra-te que afinal te resta a vida
com tudo que é solvente e provisório
e de que ainda tens uma saída:
entrar no acaso e amar o transitório.
a pena de viver e a dor de amar
e quando nada mais interessar
(nem o torpor do sono que se espalha).
Quando, pelo desuso da navalha
a barba livremente caminhar
e até Deus em silêncio se afastar
deixando-te sòzinho na batalha
e aquietar na sombra a despedida
do mundo que te foi contraditório,
lembra-te que afinal te resta a vida
com tudo que é solvente e provisório
e de que ainda tens uma saída:
entrar no acaso e amar o transitório.
Carlos Pena Filho
quarta-feira, 6 de julho de 2011
escreves escreves escreves escreves
nada do que dizes rompe a superfície do papel
escreves escreves escreves escreves
entre o panache a a autocomiseração
o artifício e a louvaminha
o lacrimejar e a traição
escreves escreves escreves escreves
e tudo quanto escreves escreves escreves
escreves tem o selo de validade para hoje
promoção de último modelo
gravata de saldo
embuste de tablóide
passatempo de televisão
POLÍTICA
No nosso tempo, o destino do homem propõe o seu sentido em termos de política. (Thomas Mann)
Com esta rapariga ali especada
Como posso eu atentar
Em políticas romanas
Ou russas ou espanholas?
Quem fala é homem viajado
Que há-de saber o que diz,
E muito lido político
Que tudo meditou bem.
Será verdade o que dizem
De guerras e mais desgraças.
Mas quem me dera ser jovem
Com aquela nos meus braços!
Com esta rapariga ali especada
Como posso eu atentar
Em políticas romanas
Ou russas ou espanholas?
Quem fala é homem viajado
Que há-de saber o que diz,
E muito lido político
Que tudo meditou bem.
Será verdade o que dizem
De guerras e mais desgraças.
Mas quem me dera ser jovem
Com aquela nos meus braços!
Yeats
(Jorge de Sena)
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Jorge de Sena-tradutor,
W. B. Yeats
terça-feira, 5 de julho de 2011
SONNET MADRIGAL
J'ai volu des jardins pleins de roses fleuries,
J'ai rêvé de l'Éden aux vivantes féeries,
Des lacs bleus, d'horizons aux tons de pierreries;
Mais je ne veux plus rien; il suffit que tu ries.
Car roses et muguets, tes lèvres et tes dents
Plus que l'Éden, sont but de désirs imprudents
Et tes yeux sont des lacs de saphirs, et dedans
S'ouvrent des horizons sans fin, des cieux ardents.
Corps musqués sous la gaze où l'or lamé s'étale,
Nefs, haschisch... j'ai revê l'ivresse orientale,
Et mon rêve s'incarne en ta beauté fatale.
Car, plus encor qu'en mes plus fantastiques voeux,
J'ai trouvé de parfum dan's l'or de tes cheveux,
D'ivresse à m'entourer de tes beaux bras nerveux.
J'ai rêvé de l'Éden aux vivantes féeries,
Des lacs bleus, d'horizons aux tons de pierreries;
Mais je ne veux plus rien; il suffit que tu ries.
Car roses et muguets, tes lèvres et tes dents
Plus que l'Éden, sont but de désirs imprudents
Et tes yeux sont des lacs de saphirs, et dedans
S'ouvrent des horizons sans fin, des cieux ardents.
Corps musqués sous la gaze où l'or lamé s'étale,
Nefs, haschisch... j'ai revê l'ivresse orientale,
Et mon rêve s'incarne en ta beauté fatale.
Car, plus encor qu'en mes plus fantastiques voeux,
J'ai trouvé de parfum dan's l'or de tes cheveux,
D'ivresse à m'entourer de tes beaux bras nerveux.
Charles Cros
segunda-feira, 4 de julho de 2011
jaz viva e adormece
a menina de sua mãe
os caracóis soltos na almofada
os braços a bacia os pés partidos
o corpo pousado na cama articulada
as flores murchando na jarra improvisada
sentada numa cadeira a seu lado
a mãe descose as suas camisas de dormir
o corpo danificado
inchou de dor de nada
politraumatizada
jaz viva e anoitece
a menina de sua mãe
a menina de sua mãe
os caracóis soltos na almofada
os braços a bacia os pés partidos
o corpo pousado na cama articulada
as flores murchando na jarra improvisada
sentada numa cadeira a seu lado
a mãe descose as suas camisas de dormir
o corpo danificado
inchou de dor de nada
politraumatizada
jaz viva e anoitece
a menina de sua mãe
Bénédicte Houart
TERRA
Nha Chica, conte-me
aquela história
de meus irmãos
hoje perdidos
no mundo grande...
Nha Chica, eu sei:
anos de seca,
gentes morrendo,
casas sem telhas,
de porta em porta
olhos crescendo
barriga inchando,
um dia tombam
de olhos vidrados
por qualquer canto...
Lisboa, América,
Dakar ou Rio:
-- dentro de nós
surge esta ideia
partir! partir!
Resignados,
os que ficaram
ficam esperando
que as nuvens toldem
que a chuva caia
que o chão fecunde
cobrindo os montes
cobrindo as várzeas...
Ah, anos fartos!
Milho, feijão,
pilão cohindo,
fumo no ar,
riso nos lábios,
grog, cigarros,
batuques, bailes
e casamentos...
Olho estes campos,
olho estes mares,
e sinto a Vida
prendida à terra,
feita de sonhos
que um dia esvaem-se
-- mas surgem sempre...
aquela história
de meus irmãos
hoje perdidos
no mundo grande...
Nha Chica, eu sei:
anos de seca,
gentes morrendo,
casas sem telhas,
de porta em porta
olhos crescendo
barriga inchando,
um dia tombam
de olhos vidrados
por qualquer canto...
Lisboa, América,
Dakar ou Rio:
-- dentro de nós
surge esta ideia
partir! partir!
Resignados,
os que ficaram
ficam esperando
que as nuvens toldem
que a chuva caia
que o chão fecunde
cobrindo os montes
cobrindo as várzeas...
Ah, anos fartos!
Milho, feijão,
pilão cohindo,
fumo no ar,
riso nos lábios,
grog, cigarros,
batuques, bailes
e casamentos...
Olho estes campos,
olho estes mares,
e sinto a Vida
prendida à terra,
feita de sonhos
que um dia esvaem-se
-- mas surgem sempre...
António Nunes
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«do sangue»,
António Nunes
domingo, 3 de julho de 2011
MOMENTO
Tudo esqueci e tudo perdoei,
não me resta qualquer ressentimento,
dono apenas do que sei
que me escapa como o vento.
Nenhuma coisa é mais do que o momento
em que a tive e a deixei.
não me resta qualquer ressentimento,
dono apenas do que sei
que me escapa como o vento.
Nenhuma coisa é mais do que o momento
em que a tive e a deixei.
Torquato da Luz
sábado, 2 de julho de 2011
Rua
autor: Alberto de Serpa (Porto, 1906-1992)
título: Rua
subtítulo: Poemas
editora: Editorial Inquérito
local: Lisboa
ano: 1945
págs.: 100
dimensões: 19x15x1,9 cm. (brochado)
capa: autor não identificado
impressão: Imprensa Libânio da Silva, Lisboa
título: Rua
subtítulo: Poemas
editora: Editorial Inquérito
local: Lisboa
ano: 1945
págs.: 100
dimensões: 19x15x1,9 cm. (brochado)
capa: autor não identificado
impressão: Imprensa Libânio da Silva, Lisboa
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«teoria das fontes»,
Alberto de Serpa
sexta-feira, 1 de julho de 2011
ELEGIA
Liberdade,
sem ti nada mais sei.
Compreendi o mundo
em ti, sútil
compêndio.
Amei muito antes
de me amares,
entre surtos e sulcos.
Amei
e só a morte
de perder-te
me faz viver
multiplicando
auroras, meses.
E sou tão doido
que o risco inútil
percorri
de me perder, perdendo-te,
perdido em mim.
sem ti nada mais sei.
Compreendi o mundo
em ti, sútil
compêndio.
Amei muito antes
de me amares,
entre surtos e sulcos.
Amei
e só a morte
de perder-te
me faz viver
multiplicando
auroras, meses.
E sou tão doido
que o risco inútil
percorri
de me perder, perdendo-te,
perdido em mim.
Carlos Nejar
SOLITUDE
A cadeira ainda espera
no seu canto.
Há dias que é só cair
sem sentido ou movimento.
Ella em prece
Barney no lamento.
Há dias que só
desmaio de tempo.
A cadeira desespera
noite canto.
Ella em prece
Barney no lamento.
no seu canto.
Há dias que é só cair
sem sentido ou movimento.
Ella em prece
Barney no lamento.
Há dias que só
desmaio de tempo.
A cadeira desespera
noite canto.
Ella em prece
Barney no lamento.
Frederico Barbosa
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«o silêncio»,
Frederico Barbosa
quinta-feira, 30 de junho de 2011
AO LONGE, A VIDA
Agora eu sou a margem indiferente deste rio,
deste rio da Vida, que passa sem me ver...
Agora eu sou um desejo do esperado Fim,
um sonho que ficou por despertar,
uma lágrima apenas que jamais tardou
às chamadas da minha alma doente.
Eu sou o tédio,
O que ambicionou tudo o que não veio...
Eu sou o tédio, eu sou a morte... eu sou o frio...
deste rio da Vida, que passa sem me ver...
Agora eu sou um desejo do esperado Fim,
um sonho que ficou por despertar,
uma lágrima apenas que jamais tardou
às chamadas da minha alma doente.
Eu sou o tédio,
O que ambicionou tudo o que não veio...
Eu sou o tédio, eu sou a morte... eu sou o frio...
Alberto de Lacerda
TROVAS A UMA CATIVA
Aquela cativa
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que para meus olhos
Fosse mais formosa.
Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas,
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.
Uma graça viva,
Que neles lhe mora,
Para ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.
Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.
Presença serena
Que a tormenta amansa;
Nela enfim descansa
Toda a minha pena.
Esta é a minha cativa
Que me tem cativo,
E, pois nela vivo,
É força que viva.
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que para meus olhos
Fosse mais formosa.
Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas,
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.
Uma graça viva,
Que neles lhe mora,
Para ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.
Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.
Presença serena
Que a tormenta amansa;
Nela enfim descansa
Toda a minha pena.
Esta é a minha cativa
Que me tem cativo,
E, pois nela vivo,
É força que viva.
Luís de Camões
quarta-feira, 29 de junho de 2011
CANÇÃO
A nuvem que passa,
O sorriso que flutua,
Tudo
Quanto intensamente vive, --
O que é eterno e o que é frágil,
-- Detalhe de arquitectura,
Pedaço de céu,
Tudo,
Tem no espelho o mesmo peso,
O mesmo valor,
E a mesma realidade.
Anoitece nos meus olhos.
-- Se vens falar-me de amor,
vê lá bem se isso é verdade.
O sorriso que flutua,
Tudo
Quanto intensamente vive, --
O que é eterno e o que é frágil,
-- Detalhe de arquitectura,
Pedaço de céu,
Tudo,
Tem no espelho o mesmo peso,
O mesmo valor,
E a mesma realidade.
Anoitece nos meus olhos.
-- Se vens falar-me de amor,
vê lá bem se isso é verdade.
António Botto
terça-feira, 28 de junho de 2011
MEIO-DIA EM BROCOIÓ
Ante a glória, a esplender, tudo se obumbra!
Multiacende-se a sobremaravilha!
O radiecer frenético esfervilha!
A potência vulcânica deslumbra.
Ouro! Sideração! Não há penumbra!
O amarelo das árvores rebrilha!
A água se achamalota e rebrasilha!
O crisólito côncavo relumbra!
Plenitude! Loureja o meio-dia!
Luciferando, a fúria nos ofusca!
Treme a Terra, a eferver, fulge o flavor!
Apoteose! Ambreia-se a alegria!
A vida canta, a comburir corusca,
ensolarando a Guanabara em flor!
Multiacende-se a sobremaravilha!
O radiecer frenético esfervilha!
A potência vulcânica deslumbra.
Ouro! Sideração! Não há penumbra!
O amarelo das árvores rebrilha!
A água se achamalota e rebrasilha!
O crisólito côncavo relumbra!
Plenitude! Loureja o meio-dia!
Luciferando, a fúria nos ofusca!
Treme a Terra, a eferver, fulge o flavor!
Apoteose! Ambreia-se a alegria!
A vida canta, a comburir corusca,
ensolarando a Guanabara em flor!
Martins Fontes
CABECINA EN BRONCE D'UNA DIOSA
Bronce head of a goddess. From
Anda nos tos güeyos la nueche
-- la primer nueche que vieron
los díes grandes de la infancia,
la nueche primordial
de la que faló Hölderlin,
la sencia escuro de la materia.
Falaré tamién del to pelo:
claro como les campes de trigo
de Tracia, digo de Paniceiros,
mesto como la lluz de la lluna
cuando ye marzo y tamos
fuera casa,
con diecinueve años
malapenes recién cumplíos.
Hai una curva de lluz nos tos llabios,
un rictus sensual y distante:
la barbadiella encesa y nidia,
la nariz caricol de llume
na nuche ciego.
Too ello delata les manes, l'artista.
Los güeyos que vieron Troya y la ceniza
nes altes palabres del poeta.
Sadagh, nort-east Turkey.
British Museum
Anda nos tos güeyos la nueche
-- la primer nueche que vieron
los díes grandes de la infancia,
la nueche primordial
de la que faló Hölderlin,
la sencia escuro de la materia.
Falaré tamién del to pelo:
claro como les campes de trigo
de Tracia, digo de Paniceiros,
mesto como la lluz de la lluna
cuando ye marzo y tamos
fuera casa,
con diecinueve años
malapenes recién cumplíos.
Hai una curva de lluz nos tos llabios,
un rictus sensual y distante:
la barbadiella encesa y nidia,
la nariz caricol de llume
na nuche ciego.
Too ello delata les manes, l'artista.
Los güeyos que vieron Troya y la ceniza
nes altes palabres del poeta.
Xuan Bello
segunda-feira, 27 de junho de 2011
LUZ RECENTE
Respiras com cautela a luz
recente.
Deve ter acordado: canta.
Anos e anos a luz adormecida
no fundo da pupila.
Já nem te lembravas
que fora assim tão jovem
e tinha
o nome da alegria.
Agora canta. Canta
em surdina.
recente.
Deve ter acordado: canta.
Anos e anos a luz adormecida
no fundo da pupila.
Já nem te lembravas
que fora assim tão jovem
e tinha
o nome da alegria.
Agora canta. Canta
em surdina.
Eugénio de Andrade
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«estesias»,
Eugénio de Andrade
Quen a sesta quiser dormir,
conselhá-lo-ei a razon:
tanto que jante, pense d'ir
à cozinha do infançon:
e tal cozinha lh' achará,
que tan fria casa non á
na oste, de quantas i son.
Ainda vos en mais direi
eu, que um dia i dormi:
tan bõa sesta nan levei,
des aquel di' an que naci,
como dormir en tal logar,
u nunca Deus quis mosca dar
ena mas fria ren que vi.
E vedes que ben se guisou
de fria cozinha teer
o infançon, ca non mandou
des ogan' i fogo acender;
e, se vinho gaar d'alguen,
ali lho esfriarán ben,
se o frio quiser bever.
conselhá-lo-ei a razon:
tanto que jante, pense d'ir
à cozinha do infançon:
e tal cozinha lh' achará,
que tan fria casa non á
na oste, de quantas i son.
Ainda vos en mais direi
eu, que um dia i dormi:
tan bõa sesta nan levei,
des aquel di' an que naci,
como dormir en tal logar,
u nunca Deus quis mosca dar
ena mas fria ren que vi.
E vedes que ben se guisou
de fria cozinha teer
o infançon, ca non mandou
des ogan' i fogo acender;
e, se vinho gaar d'alguen,
ali lho esfriarán ben,
se o frio quiser bever.
Pero da Ponte
Etiquetas:
«degustações»,
Pero da Ponte
Sou Ibn 'Ammar: a minha glória
Não há quem a possa ignorar
A não ser tolos, dos quais não reza a história,
E que nem astros conseguem enxergar.
Se o meu Tempo me despreza
Não é isso motivo para espanto
Notas em livros é o que mais se preza
E nas margens se escrevem, no entanto.
Não há quem a possa ignorar
A não ser tolos, dos quais não reza a história,
E que nem astros conseguem enxergar.
Se o meu Tempo me despreza
Não é isso motivo para espanto
Notas em livros é o que mais se preza
E nas margens se escrevem, no entanto.
Ibn 'Ammar
(Adalberto Alves)
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«traições»,
Adalberto Alves-tradutor,
Ibn 'Ammar
domingo, 26 de junho de 2011
Fábulas
autor: Curvo Semedo (Montemor-o-Novo, 1766 - Lisboa, 1838)
título: Fábulas
prefácio: H. Zeferino de Albuquerque
colecção: Livros de Bolso Europa-América #395
editora: Publicações Europa-América
local: Mem Martins
ano: s. d.
págs.: 167
dimensões: 17,9x11,4x0,9 cm. (brochado)
impressão: Gráfica Europam, Mira-Sintra
título: Fábulas
prefácio: H. Zeferino de Albuquerque
colecção: Livros de Bolso Europa-América #395
editora: Publicações Europa-América
local: Mem Martins
ano: s. d.
págs.: 167
dimensões: 17,9x11,4x0,9 cm. (brochado)
impressão: Gráfica Europam, Mira-Sintra
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«para todos»,
«teoria das fontes»,
Curvo Semedo
sábado, 25 de junho de 2011
Eu pertenço à sonolência deste azul,
à nudez das estátuas de areia
povoando a solidão nocturna das praias.
Fui com os pescadores e voltei,
volta menino para que os que te amam
não sofram a ansiedade da espera.
Trouxe conchas e peixes de prata,
cachos de estrelas e redes de vento
e mergulhei na água que sabia a óleo
e bebi a aguardente dos náufragos
e acreditei nas histórias da viuvez
das mulheres agachadas nas dunas.
Eu podia ter sido marinheiro,
pescador das pérolas que há no êxtase
da palavra, eu podia ter sido tudo,
mas acabei por desembocar numa baía
com o assombro da infância
a falar-me de sereias e de fadas junto à cama.
à nudez das estátuas de areia
povoando a solidão nocturna das praias.
Fui com os pescadores e voltei,
volta menino para que os que te amam
não sofram a ansiedade da espera.
Trouxe conchas e peixes de prata,
cachos de estrelas e redes de vento
e mergulhei na água que sabia a óleo
e bebi a aguardente dos náufragos
e acreditei nas histórias da viuvez
das mulheres agachadas nas dunas.
Eu podia ter sido marinheiro,
pescador das pérolas que há no êxtase
da palavra, eu podia ter sido tudo,
mas acabei por desembocar numa baía
com o assombro da infância
a falar-me de sereias e de fadas junto à cama.
José Jorge Letria
sexta-feira, 24 de junho de 2011
CREPÚSCULO
Paira no azul do céu, fino, leve, de espuma,
um dolente languor de mulher tropical.
Há, na sombra que desce, um adejar de pluma...
Choram pelos jardins repuxos de cristal.
Tal um fumo sutil, sobe no espaço a bruma.
Não tarda o luar... pois já no olente laranjal
piscam centelhas de ouro, e ainda, entre as folhas, uma
palpitação fugaz de pedraria ideal.
Calam-se na distância as estivais cigarras,
cruzam morcegos o ar. Que estranha melodia
crava na alma da gente as sibilinas garras!
Que tumultos, que ondear de dúvidas, que vão
desejo de sofrer! Que lágrima sombria
cai no vazio horror do nosso coração!
um dolente languor de mulher tropical.
Há, na sombra que desce, um adejar de pluma...
Choram pelos jardins repuxos de cristal.
Tal um fumo sutil, sobe no espaço a bruma.
Não tarda o luar... pois já no olente laranjal
piscam centelhas de ouro, e ainda, entre as folhas, uma
palpitação fugaz de pedraria ideal.
Calam-se na distância as estivais cigarras,
cruzam morcegos o ar. Que estranha melodia
crava na alma da gente as sibilinas garras!
Que tumultos, que ondear de dúvidas, que vão
desejo de sofrer! Que lágrima sombria
cai no vazio horror do nosso coração!
Ronald de Carvalho
Cãtigua fua q hofereçe aa dyta fenhora com estas rrezões alegadas.
Que faybaes q huu de nos
fenhora por vos sospira
do cuydado quele tyra,
eu o tenho ja por vos.
Eu o tenho ja senhora
pera nele padeçer,
quem fe dele tyra fora
mays defeja de vyuer.
Qual mereçe mays de nos,
elle em quoanto fofpira,
ou eu de quem fe nam tyra
cuydado que vem de vos.
fenhora por vos sospira
do cuydado quele tyra,
eu o tenho ja por vos.
Eu o tenho ja senhora
pera nele padeçer,
quem fe dele tyra fora
mays defeja de vyuer.
Qual mereçe mays de nos,
elle em quoanto fofpira,
ou eu de quem fe nam tyra
cuydado que vem de vos.
Nuno Pereira
quinta-feira, 23 de junho de 2011
quarta-feira, 22 de junho de 2011
A PÓSTUMO
Viverás amanhã, sempre me dizes, Póstumo.
Esse amanhã, ó Póstumo, quando virá?
Quão longe mora? E aonde está? Onde buscá-lo?
Esse amanhã mais velho é que Nestor ou Príamo.
Esse amanhã tem preço? Qual o preço? Diz-me.
Viverás amanhã. E viver hoje é tarde.
Aquele é sage, ó Póstumo, que ontem viveu.
Esse amanhã, ó Póstumo, quando virá?
Quão longe mora? E aonde está? Onde buscá-lo?
Esse amanhã mais velho é que Nestor ou Príamo.
Esse amanhã tem preço? Qual o preço? Diz-me.
Viverás amanhã. E viver hoje é tarde.
Aquele é sage, ó Póstumo, que ontem viveu.
Marcial
(Jorge de Sena)
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«traições»,
Jorge de Sena-tradutor,
Marcial
J. B. DIAS, NO LEITO DO HOSPITAL
Tudo aqui é branco
A cama e os lençóis
E o mosaico que brilha...
Tudo aqui é branco
As batas e os enfermeiros
O tecto que não olho
E a arrastadeira...
Escuro aqui só eu
Bola preta que rola
No travesseiro lavado.
Parece-me estar a ouvir os enfermeiros:
O doente do número treze,
O doente do vinte e quatro...
E o doente preto.
Tudo aqui é branco.
Tudo, menos eu.
De manhã a enfermeira
Tira-me a temperatura.
É velha ou nova, bonita ou feia?
É branca.
«Senhora enfermeira, dê-me a sua mão»
Ai o negro de Michael Gold.
Eu não peço a mão à enfermeira.
Aqui tudo é branco
Tudo aqui é branco
Menos esta bola preta
Em que os olhos se escondem.
«Formas alvas, formas brancas...»
Serão assim os versos?
Ah, que importa isso agora?
Julgo que vou morrer
Morrer assim sozinho
Sozinho no meio de tantas coisas brancas
Que giram, que giram à minha volta.
«Formas alvas, formas brancas»
«A sua mão, enfermeira»
Batas brancas, parede, tecto, tudo
Branco, branco, branco...
A morte será branca?
Coimbra, 1950 (1951?)
A cama e os lençóis
E o mosaico que brilha...
Tudo aqui é branco
As batas e os enfermeiros
O tecto que não olho
E a arrastadeira...
Escuro aqui só eu
Bola preta que rola
No travesseiro lavado.
Parece-me estar a ouvir os enfermeiros:
O doente do número treze,
O doente do vinte e quatro...
E o doente preto.
Tudo aqui é branco.
Tudo, menos eu.
De manhã a enfermeira
Tira-me a temperatura.
É velha ou nova, bonita ou feia?
É branca.
«Senhora enfermeira, dê-me a sua mão»
Ai o negro de Michael Gold.
Eu não peço a mão à enfermeira.
Aqui tudo é branco
Tudo aqui é branco
Menos esta bola preta
Em que os olhos se escondem.
«Formas alvas, formas brancas...»
Serão assim os versos?
Ah, que importa isso agora?
Julgo que vou morrer
Morrer assim sozinho
Sozinho no meio de tantas coisas brancas
Que giram, que giram à minha volta.
«Formas alvas, formas brancas»
«A sua mão, enfermeira»
Batas brancas, parede, tecto, tudo
Branco, branco, branco...
A morte será branca?
Coimbra, 1950 (1951?)
Antero Abreu
terça-feira, 21 de junho de 2011
A FORMA JUSTA
Sei que seria possível construir um mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O ar e o mar e a luz estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra em que estamos se ninguém atraiçoasse proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do Universo
Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é o meu ofício de poeta para a reconstrução do Mundo.
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O ar e o mar e a luz estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra em que estamos se ninguém atraiçoasse proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do Universo
Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é o meu ofício de poeta para a reconstrução do Mundo.
Sophia de Mello Breyner Andresen
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«estesias»,
Sophia de Mello Breyner Andresen
MAR PORTUGUÊS
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram!
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar,
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu
Mas nele é que espelhou o céu.
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram!
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar,
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu
Mas nele é que espelhou o céu.
Fernando Pessoa
segunda-feira, 20 de junho de 2011
ORAÇÕES DO AMOR -- III
Não sei o que tu pensas deste amor,
Nem, sequer, se um momento, um só que fosse,
Desejas dar alívio à imensa dor
Que esta paixão me trouxe...
É bem fundo e pesado o meu martírio
Em que a ansiedade é como um negro açoite;
Mas quem pode saber, formoso lírio,
O que o Sol pensa da Noite?!
Nem, sequer, se um momento, um só que fosse,
Desejas dar alívio à imensa dor
Que esta paixão me trouxe...
É bem fundo e pesado o meu martírio
Em que a ansiedade é como um negro açoite;
Mas quem pode saber, formoso lírio,
O que o Sol pensa da Noite?!
António Fogaça
SONETO
O quanto perco em luz conquisto em sombra.
E é de recusa ao sol que me sustento.
Às estrelas, prefiro o que se esconde
Nos crepúsculos graves dos conventos.
Humildemente envolvo-me na sombra
que veste, à noite, os cegos monumentos
isolados nas praças esquecidas
e vazios de luz e movimento.
Não sei se entendes: em teus olhos nasce
a noite côncava e profunda, enquanto
clara manhã revive em tua face.
Daí amar teus olhos mais que o corpo
com esse escuro e amargo desespero
com que haverei de amar depois de morto.
E é de recusa ao sol que me sustento.
Às estrelas, prefiro o que se esconde
Nos crepúsculos graves dos conventos.
Humildemente envolvo-me na sombra
que veste, à noite, os cegos monumentos
isolados nas praças esquecidas
e vazios de luz e movimento.
Não sei se entendes: em teus olhos nasce
a noite côncava e profunda, enquanto
clara manhã revive em tua face.
Daí amar teus olhos mais que o corpo
com esse escuro e amargo desespero
com que haverei de amar depois de morto.
Carlos Pena Filho
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