Noite, meu sinistro encanto,
Tu tens estrelas, e eu pranto,
Tu tens sombras e eu paixão.
Dizem que a tua existência
Sugere à vingança o crime;
Pois também a minha essência
Me aponta um ódio sublime.
Sinto a luta, sinto o amor;
Tu -- a treva e o azul sem fim...
Se neste inglório jardim
Nasce o verme ao pé da flor!...
Ah, que bondoso quebranto!
Que aromas na escuridão!...
Noite, meu sinistro encanto,
Irmã do meu coração.
Lembras, se um lugar magoado
Te cinge, num tom violento,
Nos brilhos -- o meu passado;
Nas ruínas -- o meu tormento.
Contigo tudo adormece
Num sudário de neblina;
Eis porque também se inclina
Meu ser, se as mágoas esquece.
Cada Aurora que te esconda
Te arrasta um sonho desfeito;
Porém, a luz é uma onda
De escárnio sobre o meu peito.
Na sombra oculta a paixão;
Dá-me perfume e quebranto,
Noite, meu sinistro encanto,
Irmã do meu coração.
António Fogaça
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