suportar mesmo o que admira.
No mais sincero e puro admirar
uma raiva flutua, uns dedos se crispam,
um gosto sorridente de poder, podendo,
pousar na grandeza pelo menos um pé sujo
que manche o limiar lavado pela paciência
dos séculos e de um homem só. Não
tenhamos ilusão alguma. Quando louvam,
é só se podem dar com uma mão e tirar com a outra.
Nada pode haver de limpo neste mundo podre.
E morremos todos manchados de lama
que irá pegada a nós dentro do tempo.
Abrindo-nos as páginas futuras, alguém há-de
ver delas soltar-se um seco pó que tomba
e que ele sacode, assopra, rindo
da humanidade torpe que abusou de nós.
Ninguém porém nos pode garantir
que ele mesmo, o que nos limpa, o não faça
para no tempo limiar deixar bem nítidos
senão seus pés ao menos os dedos do seu cuspo.
11/10/1973
Jorge de Sena