domingo, 10 de maio de 2009

(Na minha vagabundagem nocturna entro
num café quase em frente da Igreja dos
Anjos, frequentado em tempos idos pelo
Poeta Alfredo Brochado, meu amigo so-
nâmbulo.)


Tantas vezes o vi naquela mesa da noite
calado em si mesmo
para não se acordar.

Nesse tempo,
já a poesia não lhe cabia nas palavras,
mas só nos gestos,
na levitação dos passos
perdidos dos ecos...

E certa tarde com uma lâmpada de sombra
pegou na poesia
e levou-a por um subterrâneo de luz
até ao silêncio
escavado nos gritos.

Nesse tempo,
para não quebrarmos o cristal de vivermos por fora,
já não juntávamos as noites na mesma mesa.

Sorríamos apenas,
cada qual do longe da sua ilha:
«Olá! como estás?»
E ficávamos a sonhar
-- simulacro de solidão,
ferrugens e distâncias.

Hoje não.

Hoje se ainda vivesses por fora
esta nossa morte de todos os dias,
iria sentar-me à tua sombra
para explorarmos juntos o silêncio.
E mostrar-te as bandeiras de frio molhado
que trago nos olhos.

Depois sairíamos ambos para o sabor das trevas
onde as formas se devoram
por dentro do sussurro
das ruas mortas.

José Gomes Ferreira

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