sábado, 25 de julho de 2009

COMPOSIÇÃO COM ÁRVORES

Aquela ave do sol, e sol das aves, (Jerónimo Baía)

A árvore ainda árvore de sol
Rasga a pisada tela, sobressai régia,
Imprecisa, esfuma-se, rebuscada
Pungente e verdejante a réplica?
Amena a mão ao desenho oferece.
Laivos verdejantes a ampliar a árvore.
O risco incerto impõe a árvore triste.

A árvore alva, luzidia, perla
Na assombrosa descrição afinal calcário leve
De árdua escadaria, profana, disponível
A secura indistinta.
O largo ramo de luz entumecido.

A árvore ainda árvore selecta
Deslumbra ao mover-se da espessura
Da copa airosa o cone aceso (aceso de agreste).
Empobrece.

Rompe-se a cal constante
E de branca inventa a alvura.
Seca a árvore que aparece.

José Emílio-Nelson

segunda-feira, 6 de julho de 2009

POEMA DUM FUNCIONÁRIO CANSADO

A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita

estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só

Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Porque não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Porque me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço?

Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música

São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo uma noite só comprida
num quarto só