terça-feira, 31 de agosto de 2010

CONTRA A CORRENTE

Contra a corrente subimos os rios
à procura do lugar onde os sonhos
nascem. Contra a corrente rompemos
o véu e do anel de fogo já saímos.
Contra a corrente estamos sempre
quando os rios se formam em anéis de fogo
e véus de bruma surgem. Contra
a corrente chegamos a lugares onde o sonho
sobe. Contra a corrente,
outra vez, ainda, tentamos a sorte:
anular alguns círculos na água,
corpo-a-corpo com a morte,
p'ra desfazer o feitiço da serpente.

Eduardo Guerra Carneiro

AÇÚCAR

expectativa: um pouco da angústia que o licorne
retém. os primeiros passos sobre um vasto átrio
onde se guardavam rosas mornas como lábios.
os mesmos que diziam: «é na alegria que se
constroem ninhos, aqueles que a vida vive
no conforto dos breves sentires. no amor a branda
safra das formigas, como o abraço com que me acolhes».
junto às rosas um açucareiro azul com casinhas doces
e licor dentro, magenta, alguns duendes dormem
sobre cogumelos coloridos.
os primeiros passos foram de açúcar

João Candeias

VIGÍLIA

o frio corta
em duas franjas
a paisagem
fiapos de azul
entrecortados
por serra
sono
cointreau
creme de café
cigarrilhas
o frio corta
a água queima
amor
tecendo o corpo creme
de café

inês, adriana, vera
revistas em quadrinhos
pôquer cama quer
historinhas, os meninos

murilo dorme
maurício recorta me re/cor
da eu pó menino tam
borilando a máquina

ulla corre
grita chispa
se mela remela
clama reclama
«perfuminho é meu
máquina é meu tinta
é meu é meu o mundo
é meu» vera
corre atrás o mundo
é de quem sabe amá-lo
por entre as frestas
e os fiapos de seu reino
profundo entre
cortado amor
tecido
serra
azul
sono
cointreau
creme de café
cigarrilhas

Ronaldo Werneck
La brise, les feuilles sur les branches,
et la plaine semée de grillons;

des platanes qui tendent les bras
pour atteindre la lune et les étoilles.

Et toi, toujours toi, toi seule,
la brise, les feuilles et les branches.

Toi, la lune et les étoiles,
et moi, les bras du platane.

J. P. Coutsocheras
Asfixia. Esta espera, este temer que acabe o que não pode acabar.
Casimiro de Brito

SOROR PÁLIDA

Bem haja inda esse raio solitário
da luz que, tanta, em mim resplandecia;
esse que -- único e triste alampadário --
as ruínas desta alma inda alumia;

e da piedosa visão, que ante o sacrário
da antiga fé, se ajoelhou, sombria,
e, pelas negras contas do rosário,
o rosário das lágrimas desfia...

Bem haja essa que, pálida e marmórea,
do amor extinto inda soluça o nome,
debulhando-lhe as sílabas ao vento;

e inda depõe no túmulo, onde a glória,
o sonho, a vida, a luz... tudo se some,
uma flor, uma frase, um pensamento.

Raimundo Correia

MORNA

As mesmas casas... as mesmas ruas...
o mesmo largo...
Só os rostos dos homens é que não são os mesmos
e, ébrios, os braços pendem, os homens tombam...

Som de violino escapando-se da casa térrea.
Cheiro a petróleo e a fumo.
Quêrèna treme os dedos sobre as cordas,
olhos vidrados, berra por mais gróg!

Titina sente-se frágil sob os braços de Armando.

A Morna traz ao corpo a lassidão e o sonho,
como a lua pondo sombras em coisas impossíveis...

António Nunes

CANÇÃO DA VIDA

Dias do passado,
Sonhos a findar,
Coração magoado
Que vai sossegar,
Fica a suspirar
De vos ter lembrado,
Sonhos a findar,
Dias do passado!

Passa o vento irado,
Já troveja o mar.
Coração magoado,
Tempo é de parar.
Deixá-los passar
Nesse vento irado,
Nos trovões do mar.

Nada há-de restar
Do tempo passado
Que te fez sangrar,
Coração magoado.
Quando clarear
Tudo está mudado.
É também mudar,
Coração magoado.

Nada há-de restar.

Alberto Osório de Castro

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

NÚMERO DOIS

Beethoven, concerto número dois para piano.
Com um canivete corta-me devagar por dentro
a parte da alma mais encostada à carne.
O prazer que a Camões também doía e as palavras
de depois de inventá-lo. O sol que brilha e ilumina
o verde das primaveras que nesta se repetem. Enu-
merar: como quem coloca cada som depois do outro
e parte para a solidão. Uma lâmina pequena corta-me
por dentro das próprias veias no meu corpo
desconhecido as mais pequenas fibras. E sei que
existem e é delas que se extrai
a revolta com que vou nascendo para
ver-me de pé enquanto reaprendo
a não esquecer que um dia finalmente
tudo terá passado. E esta aventura
de estar aqui hoje há-de perder-se
no tempo que consome tudo e nos consome
a nós o uso de nós mesmos. Afeiçoarei o meu
corpo cada dia mais definitivamente à imagem
da pequena morte que nos chega que toca
os olhos na retina os ouvidos na membrana
do tímpano e passa a circular no sangue com a
embriaguez. Assassínio lento de mim mesmo,
Claudio Arrau pianista chileno vai
pontuando o tactear da lâmina
no meu corpo e eu sentado contemplo as cores
dos objectos à minha volta e vou dando pelo
espanto de assistir à passagem de mim
mesmo pelo que me rodeia.

João Camilo
Enquanto quis Fortuna que tivesse
Esperança de algum contentamento,
O gosto de um suave pensamento
Me fez que seus efeitos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse
Minha escritura a algum juízo isento,
Escureceu-me o engenho co tormento,
Para que seus enganos não dissesse.

Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
A diversas vontades! Quando lerdes
Num breve livro casos tão diversos,

Verdades puras são e não defeitos;
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
Tereis o entendimento de meus versos.

Camões

ORIGINAIS

Repito tanta coisa por dentro da
cabeça. Roda a girar ao longo
de mil letras. Repetidas por dentro
da cabeça. Tanta coisa a girar

como pião, ou verso de criança.
Canção que como roda, ou de roda
já não. Por dentro da cabeça, o
verso é fácil. Produzi-lo depois,

refazer coisas, as mesmas re-
petidas por dentro da cabeça.
A arte do copista por serão.
A arte do poeta, que já não.

Que foi, antes de tudo, repe-
tido. Quando o original:
salteador, bandido. Tudo,
menos vulgar ladrão.

Ana Luísa Amaral

APANHADOR DE PÉROLAS

Às vezes a noite estende-se através da pele,
mas tu mergulhas até apanhar a pedra
lá no fundo
e uma clareira começa a abrir-se no buraco
por onde esvaziaste a noite.

Rosa Alice Branco

À SOMBRA DAS ÁRVORES MILENARES

Passaram muitos anos mas não passou
o momento único irrepetível
o som abafado do estilhaço no corpo
o eco estridente do ricochete no metal
o cheiro da pólvora misturado com sangue e terra
o sabor da morte na última viagem de Portugal.

À sombra das árvores milenares ouvi tambores
ouvi o rugido do leão e o zumbido da bala
ouvi as vozes do mato e o silêncio mineral.
E ouvi um jipe que rolava na picada
um jipe sem sentido
na última viagem de Portugal.

Vi o fulgor das queimadas senti o cheiro do medo
o silvo da cobra cuspideira o deslizar da onça
as pacaças à noite como luzes de cidade
a ferida que não fecha o buraco na femural
no meio da selva escura em um lugar sem nome
na última viagem de Portugal.

Soberbo e frágil tempo
intensa vida à beira morte
amores de verão amores de guerra amores perdidos.
Uma ferida por dentro um tinir de cristal
passaram os anos o ser permanece.
Fiz a última viagem de Portugal.

16-9-2003
Manuel Alegre

TRÊS PERSONAGENS

Em pleno inverno e no calor de Agosto,
vejo-os passar, na tarde loira ou baça...
Ela, tem distinção, tem certa graça,
certa elegância calma, de bom gosto.

Leva um livro amarelo. Bem disposto,
um galgo inglês, cheio de nervo e raça,
acompanha-a. Sei sempre a que horas passa,
grave, serena, esfíngica; -- ao Sol posto.

Quem é? Quem são?... Nem lhes conheço o nome!
O acaso, por acaso, destinou-me
a vê-los passar juntos, todos três...

Donde vêm? Onde vão? -- Quem o adivinha?
O que eu sei, é que passam à tardinha
ela, o livro amarelo, e o galgo inglês...

Virgínia Vitorino

domingo, 29 de agosto de 2010

METROPOLITANO

Na Circle Line,
entre Paddington e Aldgate,
no movimento rápido da máquina,
observo os grandes cartazes que anunciam
a melhor das bebidas, a mais fina das meias,
o mais fantástico dos filmes,
vejo nos grandes painéis o sorriso aberto
e rasgado dos modelos
sugerindo-se a última novidade em disco,
convencendo-nos de que a alegria tem forma
de um fato ou de um sapato,
ou que na pastilha elástica está condensada a felicidade,
passam por mim em cada estação
enormes parangonas que proclamam
a excelência do mundo...

... e fico a pensar,
até que o ruído dos travões me chama,
porque se terá sucidado hoje uma jovem rapariga
em Sloane Square,
na Circle Line,
entre Paddington e Aldagte.

Fernando Cabrita

VISITAÇÃO

Quando morreste, voltei-me para o silêncio
(riam-se os deuses, de mofa, com certeza)
e prometi-te que nunca mais pecava...
Silêncio: claustro de distâncias infinitas,
por onde um monge vai, em penitência,
curvado, mas levantando um círio ardente
que lhe desvenda a noite:
chão de pedra,
nas margens dos capitéis, mortos nas ervas,
e dos votos, rasgados, entre as sombras.

Oh minha mãe, falhei, mas amanhã
eu partirei de novo para a tarefa...
É tua, ao menos, essa ingenuidade.


José Fernandes Fafe

CDC/DCD

A natureza em conjunto padece
e como o sofrimento muito a cansa
vinga-se em quem primeiro lhe aparece
e para ser maior essa vingança
já a futura morte transparece
no pequenino rosto da criança.

Ruy Belo

PASSIVIDADE

Passividade suave e feiticeira
tentou-me, em tua boca mal pintada,
nos teus olhos azuis d'alucinada,
na estopa a rir da tua cabeleira.

Minha arte d'amar pelotiqueira,
deu fogo à tua carne inanimada,
tornando mais gentil e articulada
a boneca que fosses duma feira.

Levando ao ar um braço, eras adeus
a uma estranha mulher que em ti morrera
e cujo busto nu vejo entre véus...

E ao descerrares a acre flor da boca
a tua voz sonâmbula, de cera,
já era um eco d'alma em alma oca!

Coimbra, 1926

Edmundo de Bettencourt

PROPOSIÇÃO DAS RIMAS DO POETA

Incultas produções da mocidade
Exponho a vossos olhos, ó leitores:
Vede-as com mágoa, vede-as com piedade,
Que elas buscam piedade, e não louvores:

Ponderai da Fortuna a variedade
Nos meus suspiros, lágrimas, e amores;
Notai dos males seus a imensidade,
A curta duração dos seus favores:

E se entre versos mil de sentimento
Encontrardes alguns, cuja aparência
Indique festival contentamento

Crede, ó mortais, que foram com violência
Escritos pela mão do Fingimento,
Cantados pela voz da Dependência.

Bocage

sábado, 28 de agosto de 2010

ORGANISTA

Nas resenhas da penumbra e da bruma, em alguns poemas,
houve a aproximação da morte e do júbilo.
O soprano jubilara, na arte sacra, enquanto ao órgão a personagem
desenha uma figura negra. Os emblemas mortais,
foice e gadanha, representam.
O desconhecido ou alguém configura o homem,
ecce, não cógnito, em figura. Dedilha as teclas,
persigna-te perante o teu sono. Delimita o tempo
do êxtase, o tempo da subsistência, o tempo da configuração.

Fiama Hasse Pais Brandão

LES SINGES

Avant eux avant les culs pelés
La fleur l'oiseau et nous étions en liberté
Mais ils sont arrivés et la fleur est en pot
Et l'oiseau est en cage et nous en numéro
Car ils ont inventé prisons et condamnés
Et casiers judiciaires et trous dans la serrure
Et des langues coupées des premières censures
Et c'est depuis lors qu'ils sont civilisés
Les singes, les singes, les singes de mon quartier

Avant eux, il n'y avait pas de problème
Quand poussaient les bananes même pendant le Carême
Mas ils ont arrivés bardés d'intolérance
Pous chasser en apôtres d'autres intolérances
Car ils ont inventé la chasse aux Albigeois
La chasse aux singes sages qui n'amaient pas chaser
Et c'est depuis lors quils sont civilisés
Les singes, les singes, les singes de mon quartier

Avant eux l'homme était un prince
La femme une princesse, l'amour une province
Mais ils sont arrivés, le prince est um mendiant
La province se meurt, le princesse se vend
Car ils ont inventé l'amour qui est un péché
L'amour qui est une affaire, le marché aux pucelles
Le droit de courte-cuisse et les mères maquerelles
Et c'est depuis lors qu'ils sont civilisés
Les singes, les singes, les singes de mon quartier

Avant eux il y avait paix sur terre
Quand pour dix éléphants il n'y avait qu'un militaire
Mais ils sont arrivés et c'est à coups de bâton
Que la raison d'Etat a chassé la raison
Car ils on inventé le fer à empaler
Et la chambre à gaz et la chaise électrique
Et la bombe au napalm et la bombe atomique
Et c'es depuis lors qu'ils sont civilisés
Les singes, les singes, les singes de mon quartier
Les singes de mon quartier

Jacques Brel

EPITÁFIO SEGUNDO

Caminhante que vais tão de corrida,
Pois em nada reparas na jornada,
Repara por tua vida no meu nada
Que foi toda uma morte a minha vida.
Também no mundo andei muita partida,
Posto que em diligência mal parada;
E por não ser mentira incorporada,
Uma verdade sou desvanecida.
Eu tive ocupação sem exercício,
Eu fui mui conhecido, sem ter nome,
E eu, ingrato, morri sem Benefício.
Exemplo toma em mim, ó pobre Homem,
Que se tratares mal, vives de vício,
E se viveres bem, morres de fome.

Tomás Pinto Brandão

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

ORAÇÃO DA MANHÃ

I

Anjo-da-Guarda, Anjo de asas de neve,
Anjo mais puro que as teias de linho,
Todo açucena é o nosso caminho,
Se a tua mão sempre for que nos leve...

Ela é sem mácula, e alva de espuma
A minha Amada, o meu sonho primeiro:
Seu Coração nunca teve uma bruma,
Mas vamos sós pelo mundo traiçoeiro.

Guia-nos sempre, Anjo de asas de neve,
Por esta escura Via-dolorosa...
Que a tua mão, que é diáfana e breve,
No nosso ombro se poise piedosa!

Como a meninos que voltam da escola,
Como a crianças que sonham no berço,
Anjo-da-Guarda, conduz-nos! consola
Quem vai num sonho de estrelas imerso...

Anjo-da-Guarda, Anjo de asas de neve,
Anjo mais puro que as teias de linho,
Todo açucenas é o nosso caminho,
Se a tua mão sempre for que nos leve!

Júlio Brandão

O Monhé das Cobras

autor: Rui Knopfli (Inhambane, 10.VIII.1932 -- Lisboa, 25.XII.1997)
título: O Monhé das Cobras
edição: 2.ª
prefácio: Francisco José Viegas
colecção: «Caminho da Poesia»
editora: Editorial Caminho
local: Lisboa
ano: 1998 (1.ª, 1997)
páginas: 70
dimensões: 20,9x14x0,6 (brochado)
tiragem: 1000
impressão: Tipografia Lousanense

AMANHECER

Amanhecera. O tropeiro
passa, cantando na estrada;
no seu casebre o roceiro
prepara as foices e a enxada.

Ao rumor a luz casada
enche de vida o terreiro;
parecem bruma cerrada
as flores, lá, do espinheiro...

Aspira-se o olor suave
do bom café... Alto e grave,
bate o pilão nas cozinhas.

Há junto à horta uns barrancos,
onde a mulher, de tamancos,
distribui milho às galinhas.

Bernardino Lopes
Cada árvore é um ser para ser em nós
Para ver uma árvore não basta vê-la
a árvore é uma lenta reverência
uma presença reminiscente
uma habitação perdida
e encontrada
À sombra de uma árvore
o tempo já não é o tempo
mas a magia de um instante que começa sem fim
a árvore apazigua-nos com a sua atmosfera de folhas
e de sombras interiores
nós habitamos a árvore com a nossa respiração
com a da árvore
com a árvore nós partilhamos o mundo com os deuses


António Ramos Rosa

NOCTURNOS (PORTO GRANDE)

Para Augusto Casimiro
I
Luzes , raras, da baía
saltitam na água macia
-- enguias de ouro a brincar
numa alcatifa negra de veludo --
e multiplicam-se no mar,
no mar sonâmbulo e mudo.
Perpassam gritos
como os que se calam dentro da gente...
Fantasmas negros de lanchas
enchem o porto de manchas,
sacodem mastros aflitos
silenciosamente...
Manuel Lopes

MORS SANCTA

Na humilde cela, onde em perfume casto
O luar esbate, merencório e brando,
Vai-lhe fugir o espírito, beijando
A negra cruz do seu rosário gasto...

Como num sonho tumular, nefasto,
Corvos que passam pela noite, em bando,
Trazem-lhe a morte lívida, cortando
O fundo azul silencioso e vasto...

Em prata líquida o luar escorre
Pelo fio das trémulas espadas
Que esgrime ao vento o canavial do rio...

E, quando, o brilho das estrelas morre,
O monge cerra as pálpebras molhadas,
Levando ao lábio o rosário frio...

João Saraiva

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

UM SOLDADO DE URBINA

Por julgar dele indigna outra façanha
Como aquela no mar, este soldado,
A sórdidos ofícios resignado,
Obscuro errava pela sua Espanha.

Para apagar ou mitigar a sanha
Do real, procurava o sonhado
E doaram-lhe um mágico passado
Os ciclos de Rolando e da Bretanha.

Contemplaria, posto o sol, o ancho
Campo em que dura um resplendor de cobre;
Julgava-se acabado, só e pobre,

Sem se saber de música senhor;
Atravessando um fundo sonhador,
Por ele andavam já Quixote e Sancho.

Jorge Luis Borges

(Ruy Belo)

ÁRBOL

Era un árbol sin nombre que en las noches
no en todas las noches sino algunas
se volvía casi fosforescente
como un tic vegetal de su alegría

pero las lechuzas y los murciélagos
y los mochuelos y los búhos
quedaban tan perplejos
que se desvanecían

y sin embargo ello era así
porque aquel árbol albergaba
un sentimiento en cada hoja
y la fosforescencia apenas era
el pavoneo de su corazón

en una noche de tormenta
un rayo se abrigó en su copa
pero ésta no apagó sus luces
y el raio se hizo nada

hay que considerar
que en cada amanecer
el árbol se apagaba
es decir se dormía

a veces despertaba
lleno de pajaritos
pero no era lo mismo

Mario Benedetti
Destes penhascos fez a natureza
O berço em que nasci: oh quem cuidara,
Que entre penhas tão duras se criara
Uma alma terna, um peito sem dureza!

Amor, que vence os tigres, por empresa
Tomou logo render-me; ele declara
Contra o meu coração guerra tão rara,
Que não me foi bastante a fortaleza.

Por mais que eu mesmo conhecesse o dano,
A que dava ocasião minha brandura,
Nunca pude fugir ao cego engano:

Vós que ostentais a condição mais dura,
Temei, penhas, temei; que Amor tirano,
onde há mais resistência, mais se apura.

Cláudio Manuel da Costa

MIL E UMA NOITES

As palavras que rolam contra as pedras /
nenhuma é igual ao rosto que as desenha,
ao animal que as esconde nos seus ossos.
Cada pedra é uma aldeia abandonada que
mudou de lugar. Cada lugar uma pedra vagarosa
que regressa à existência.

Vagueio pelas casas pousadas no tempo
e o que fica delas
é uma porta entreaberta
que já não guarda nada.
Só a erva cresce, erva toda igual
a um tempo daninho que se arrasta
como pedras
incapazes de subir por um caminho íngreme
ou aceitar a deriva
das vozes que chamam sob a terra
onde ainda existe adubo
para um canteiro.

Rosa Alice Branco
acreditar que a pedra é de pedra na superfície rugosa
feita de cinza e xisto de níquel e de prata
e que um astro não se apunhala nem mesmo em caso
de saberes que o níquel se sobrepõe ao fogo
acreditar que depois há uma soma das sombras
que ainda vamos a tempo de saber que a cinza é o xisto
que a geografia das mão é um húmus de singular medida
acreditar nessa mistura de animais e pedras
que de repente se evola o negrume de um barco
para que sempre se provoque a combustão de águas
e nunca permanecer num luar que seja de lodo
e nunca assegurar um branco que cegue e que perfure
acreditar na luz e depois dela na mesma luz secreta
um poema basta para acreditar numa pedra incerta

António Carlos Cortez

TEJO

O Tejo não era rio, era um cão grande.
Mordia a terra se não ouvia o avô cantar
entre as searas. Ladrava ao céu
ladrava e criava subterfúgios dramáticos.
Eu pensava: está bêbedo. As pessoas
também arranham as sombras do corpo
quando estão bêbedas. Houve
uma páscoa em que o Tejo não arranhou
a sombra não mordeu a terra. Enrolou-se
numa paisagem de cinza. Ficou assim
a vida inteira. E eu a dizer a vida inteira:
creio nas saudades dos cães.

Maria Augusta Silva

MAJESTIC CAFÉ

No Majestic meninos (e meninas)
Alargam orelhas
Inclinados no estuque.
Azedam natas.
Bebe-se café à chávena.

Majestic Café.

Vidro lapidado agreste
Incita à entrada
E dentro dos espelhos a cismar
Já não se cospe.
Cuspiu-se na latrina.
Mesmo assim gris
Do sopro saturado do café e
Das risadinhas das almas.

José Emílio-Nelson

DO AMOR I

A névoa disse à árvore:
tu, cedro, perdes a tua forma,
se eu te abraço. Disse
o cedro: o Sol ama-me mais,
toma o meu corpo inteiro
no seu corpo e dá-lhe
ser, figura.

Fiama Hasse Pais Brandão

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

PARA A DEDICAÇÃO DE UM HOMEM

Terrível é o homem em que o senhor
desmaiou o olhar furtivo de searas
ou reclinou a cabeça
ou aquele disposto a virar decisivamente a esquina
Não há conspiração de folhas que recolha
a sua despedida. Nem ombro para o seu ombro
quando caminha pela tarde acima
A morte é a grande palavra desse homem
não há outra que o diga a ele próprio
É terrível ter o destino
da onda anónima morta na praia

Ruy Belo

AUTO-RETRATO

à Maria Cecília
por razões tão ponderosas
que seria supérfluo aduzir

Olhos desfeitos a ler
palavras apontando para ideias
vezes imensas confusas
inaceitáveis à vista
ao cérebro
à boca que mal as sabe exprimir

Rui Ferreira Bastos

ORAÇÕES DO AMOR

XXI

Dizem as conchas do mar:
«Não queiras que desça ao fundo
Quem nos deseja roubar.»

E as águas dizem ao mundo:
«Olha, não mandes sondar
O nosso abismo profundo.»

Como as conchas, como as águas,
Digo à minha estremecida:
«Não queiras roubar-me a vida,
Não sondes as minhas mágoas...»

António Fogaça

CANTIGA DO FOGO E DA GUERRA

Há um fogo enorme no jardim da guerra
E os homens semeiam fagulhas na terra
Os homens passeiam co'os pés no carvão
que os deuses acendem luzindo um tição

Pra apagar o fogo vêm embaixadores
trazendo no peito água e extintores
Extinguem as vidas dos que caiem na rede
e dão água aos mortos que já não têm sede

Ao circo da guerra chegam piromagos
abrem grande a boca quando são bem pagos
Soltam labaredas pela boca cariada
fogo que não arde nem queima nem nada

Senhores importantes fazem piqueniques
churrascam o frango no ardor dos despiques
Engolem sangria dos sangues fanados
e enxugam os beiços na pele dos queimados

É guerra de trapos, do pulmão que cessa
do óleo cansado que arde depressa
Os homens maciços cavam-se por dentro
e o fogo penetra, vai direito ao centro

Sérgio Godinho

A BANHISTA

O cão afasta a onda
E o pêlo liso imita a foca.
Rebolava. Eriçava-se.
A banhista sorriu.
A bóia
Fugiu-lhe das mãos.

José Emílio-Nelson
Corria junto aos ciprestes nas manhãs
de inverno. Roubava ao jardim punhados
de terra para saciar a fome, mas não mexia
nos mortos. Ainda não sabia nada sobre
os pecados mortais nem sobre a ciência
circunscrita dos venenos, coisas mais veniais
ainda. Não conhecia os lugares do medo
e pensava no dia e na noite como realidades
ontológicas. Mas tu disseste-me: a rotação
é o movimento de um corpo em torno
de um eixo. Nesse dia percebi que morremos
como as árvores e que são breves os dias.

José Rui Teixeira

SÚPLICA

Peguei nos sonhos
E fui atando...
Juntei! Juntei!
O aroma é brando...
Tristes? Risonhos?
Tudo! Nem sei!

Sonhos que eu amo
E em que me extingo...
Nevadas flores!
Não vos distingo...
Só vejo um ramo...
Confundo as cores!

Mas tu, que levas
O ramo ao lado,
Sem o pensar,
Queda um bocado!
-- Sacia as trevas
Ao meu olhar!

Dá-lhe um sorriso!
Depois, sem pranto,
Deixa-me só...
Lírio de encanto,
Que nem diviso
-- Porque sou pó.

Queirós Ribeiro

terça-feira, 24 de agosto de 2010

ALGAS

No revoltoso Mar vogam, à superfície,
seguindo a ondulação inconstante das vagas
que se vão desfazer numa branca planície,
algas dum verde-escuro, algas de formas vagas.

Vão, sem destino, errando ao sabor da corrente.
Eu cuido que uma força, ignorada e imutável,
as conduz para um porto, ou negro ou resplendente,
onde vão descansar num sossego infindável.

Assim também no mundo, errantes e sem guia,
entre o choro e o riso, entre a vida e a agonia,
demandando, vãmente, o porto que procuro,

eu vejo flutuar meus versos de criança,
tendo, a enchê-los de vida, a cor verde da esp'rança
a que a tristeza dá um tom brunido e escuro.

João de Barros

DESENHOS

as formas do corpo
(alheio)
desenham:

tatuagens na retina
(felinas)

o olhar
segue vidrado
e (ferino)
atira

Frederico Barbosa

LOSING MY RELIGION

Houve então uma doença
que se seguiu a uma outra
mais antiga: o texto do mundo esgotou-se
e as divisões de todas as casas
pareceram pequenas.

Regressou o tempo da multiplicidade
das coisas, um novo equívoco,
uma existência com o necessário grau
de impureza, de vontade fraccionada,
onde os olhos não sabem nunca
atravessar a mágoa.

Os versos talvez não passem de polaroids,
afastei-me deles, aceitei, armado de coragem,
o coração da cidade, e agora vou ser feliz sem ti
como se acreditasse nisso.

Pedro Mexia

AMBIÇÃO

Caiu da serra um bloco de granito
que há mil anos poisou sobre a mais alta crista.
Era um deus mineral, faminto de conquista.
Caiu quando alcançava a meta do infinito.

Ninguém ouviu a queixa, o misterioso grito
da mica a esfacelar-se em lascas de ametista.
Homem, árvore e pedra! Há que descer a vista!
A ambição de subir, eis o maior delito!

Mais alto que a montanha a pedra quis chegar.
À gota de água obscura é necessário o mar.
Às estrelas não basta a cúpula dos céus...

E nós, para fugir à nossa humana sorte,
forçámos o horizonte e em frente à própria morte,
num momento de génio imaginámos Deus.

Fernanda de Castro

NÃO HÁ RESPOSTA

-- Vento do mar! -- que conversaste com as estrelas,
Galopando, correndo em desatino,
Conta-vento do mar! -- por que sonhamos,
E o segredo de nosso destino!

Sopras, nas ondas, esculturas vivas,
Efêmeras imagens fugitivas...
Dize-me por que amamos, esquecemos,
E, sobretudo, por que sofremos!

Faze a revelação maravilhosa
De que não é inútil o gemido
De tanta angústia à cata de consolo,
E nem tudo está perdido!

Fala-vento do mar! -- que o mundo, cego,
Não arderá, entregue à própria sorte,
E que a nossa esperança, de tão alta,
Poderá vencer a morte!

Oliveira e Silva

OUTONO, NA CASA DAS AREIAS, S. PEDRO DO ESTORIL

Depois de uma noite de chuva,
tudo claro e limpo.
A buganvília, as árvores pequenas,
cada uma com a sua seiva.
Os pardais, os melros negros,
cada um com o seu trinar.
Os insectos, as moscas,
cada um com o seu voar.
Por baixo, insondável a grandeza da terra,
por cima, infinita a altura do céu.
Fácil, entrever a aparência das coisas,
difícil, penetrar na essência do todo.

António Graça de Abreu

OPERA COMMEDIA

2

À entrada, na mesa polida,
O café frio, na chávena. Baloiça, treme, uma bela rapariga
Escreve num postal (com tanto espanto!)
As gatafunhas de ditongos, as vogais rasteiras
Que lemos primeiro no giz da sua pele,
Nos ossinhos dos dedos, tal o esgar.
É tão hamlética, agoirenta, dementada.
Todos a olham (entre os quadriz e o nariz).

José Emílio-Nelson

LACRIMATÓRIA 9

Puxa-a pelos braços enquanto um cão vigia o
caminho. A folhagem desprende-se com o
movimento e a sua nudez espalha-se pela erva
anunciando um momento de loucura. Um outro
cão surge do mato com uma perdiz na boca e os
dois ficam a olhá-la enquanto uivam. O homem
cobre-a de seda encarnada, deixando que o peito
toque no chão e desse lugar se soltem dois corvos
bravos. Há um cisne que procura chegar-se à água
e garças que aguardam migalhas deixadas pelos
peixes. Tudo se concretiza dentro de uma zona escura,
de uma rede, perto de um precipício, mas o homem
não consegue sequer levantar o rosto com os dedos.

Jaime Rocha

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

SENTIMENTO

para António Barahona da Fonseca

A noite transfigurou-se em penas d'ave
e a miudinha chuva sacudiu-as
e a noite recolheu-se aos astros, suave,
e adormeceu as almas esquecidas.
O grande pequeno homem admirou-se,
olhou para si e viu-se vazio.
Chorou então o tempo perdido
e perdeu-se na noite, frio e quente.

7.XII.76

Ruy Cinatti

AGORA

Há um martelo de enigmas,
um martelo louco batendo nos nervos,
esmagando as fibras,
há um estrondo subterrâneo que sobe para as
fontes,
mas não explode,
não explode esta cabeça vencida, caída sobre
a mesa,
sobre a toalha bordada entre o jejum e as
missas, nas terras do pai.

Há um globo de magias em desuso que não
perturba quem chega, quem se senta,
com as mãos abertas, com a faca atrás,
pelo lado das costas que lançam nas paredes
um vulto sinistro, em silêncio, à espera.

Eu sei por que veio, o que quer, o que faz aqui,
mas tu ergues os cálices,
tu olhas para ela e ofereces uma rosa e
repartes o pão,
e depois adormeces e entras no túnel que dá
para as colinas de Deus,
para os seus mortos antigos.

José Agostinho Baptista

DO AMOR II

Ver o cortejo de cedros
e acreditar que é o cenário.
Depois estender a mão
através da longa perspectiva
oblíqua e poder palpar,
na pele, que também os cedros
têm corpos húmidos, saliva,
à espera do Amor.

Fiama Hasse Pais Brandão

SETEMBRO, FIM DE TARDE

a varanda era o respeito e o silêncio de onde a casa se erguia.
a minha mãe talvez fosse a sua própria voz. eu era muito novo.

a paisagem e a vida diante de mim. os pombos levavam o
meu peito em círculos no céu.

e havia uma fonte, porque há sempre uma fonte distante
na voz da minha mãe.

José Luís Peixoto

EMBARQUE

Não sei se moço
se menino ainda
senti-me embarcado
rumo à morte, à morte...


Quis o destino que com ela me cruzasse
E com raiva duas vezes desdenhasse
Da vontade que mostrava em me apanhar


Não sei se de Deus
se dos Meus que foram
ecoou por África o grito que ouvi
a dizer à morte para me poupar


Não por ser bondoso
ou por ter virtude
mas porque era moço
um menino ainda
que contra vontade
tive d'embarcar...


Jaime Ferreri

GATO

Nureyev
em spargatta
ao sol

José Manuel Travado

DOMINGO NO BAIRRO

Passeia perto de casa o cão.
Encontro-o há anos no parque.
Num canteiro
Talvez culpa das rosas
O ar é todo urina.

José Emílio-Nelson

JÁ ERA QUASE NOITE

De novo ao calor da lareira
e ouvindo uma sonata de Beethoven
a memória impõe-me cenas
que não posso rasurar.

A perigosa linguagem do teu corpo,
a beleza das mãos sobre a página
de um livro onde aprendias
o ofício, a fascinante química
dos produtos que ajudam a viver.

Depois já era quase noite
e tarde de mais para recuar.
Tudo estava perdido; a nossa honra,
o dia de estudo, o conceito de amor.

Isabel de Sá

domingo, 22 de agosto de 2010

DESENCANTO

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

-- Eu faço versos como quem morre.

Teresópolis, 1912

Manuel Bandeira

PARÁBOLA

Um grito de ave corta o espaço
e o voo fere a flor do lago
que não desperta do sonho em que o sonha,
do sonho em que se adormeceu...
o lago escuro como um espelho sem aço
onde já se não olha o céu!...

Branquinho da Fonseca

REGRESSO

Navio aonde vais
deitado sobre o mar?

Aonde vais
levado pelo vento?

Que rumo é o teu
navio do mar largo?

Aquele país talvez
onde a vida
é uma grande promessa
e um grande deslumbramento!

Leva-me contigo
navio.

Mas torna-me a trazer!

Jorge Barbosa

A BORBOLETA

De manhã bem cedo
uma borboleta
saiu do casulo.
Era parda e preta.

Foi beber ao açude.
Viu-se dentro da água.
E se achou tão feia
que morreu de mágoa.

Ela não sabia
-- boba! -- que Deus deu
para cada bicho
a cor que escolheu.

Um anjo a levou,
Deus ralhou com ela,
mas deu roupa nova
azul e amarela.

Odylo Costa, Filho

sábado, 21 de agosto de 2010

PELAS LANDES, À NOITE

Pelas landes e pelas dunas
Andam os magros como pregos,
Os lobos magros como pregos,
Pelas landes e pelas dunas.

Olhos de fósforo, esfaimados,
Numa pavorosa alcateia,
Andam, andam buscando ceia,
Olhos de fósforo, esfaimados.

Nas landes grandes, junto às dunas,
Um menino perdido anda,
Anda perdido a chorar anda,
Nas landes, junto às brunas dunas.

Senhor Deus de Misericórdia,
Protegei o róseo menino,
Protegei o róseo menino,
Senhor Deus de Misericórdia.

Porque nas landes e nas dunas
Andam os magros como pregos,
Os lobos magros como pregos,
Nas grandes landes e nas dunas.

Eugénio de Castro
Meu amigu' e meu ben e meu amor,
disseron-vos que me viron falar
con outr' ome, por vos fazer pesar,
e por en rogu' eu a Nostro Senhor
que confonda quen vo-lo foi dizer
e vós, se o assi fostes creer,
e min, se end' eu fui merecedor.

E já vos disseron por mi que falei
con outr' ome, que vos non tiv' en ren,
e, se o fiz, nunca mi venha ben,
mais rog' a Deus sempr' e rogá-lo-ei
que confonda quen vo-lo diss' assi
e vós, se tan gran mentira de mi
crevestes, e min, se o eu cuidei.

Sei que vos disseron, per bõa fé,
que falei con outr' om' e non foi al
se non que vo-lo disserom por mal,
mais rogo a Deus, que no ceo se[e],
que confonda quen vos atal razon
diss' e vós, se a crevestes enton,
e que confonda min, se verdad' é.

E confonda quen á tan gran sabor
d'antre min e vós meter desamor,
ca maior amor no mundo [non] é.

João Airas de Santiago

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

NÃO QUERO PERDER O NAVIO EM NOVA ORLEANS

Não quero perder o navio em Nova Orleans.
Não quero perder o navio.
Quero subir este vasto e fundo Mississípi
Que foi sonho da minha vida aventureira.
Quero subir o rio de margens baixas, verdes,
O rio lodoso que rasga um continente
Até ao coração desta cidade em perdição perdida.
Quero subir o rio depois de ter visto nos bars escuros
As mulheres nuas de Nova Orleans.
Quero subir o rio na barca antiga,
Igual à das estampas antigas.
Quero subir o rio que já não tem aventura
Para guardar na memória este pedaço de aventura.
Já não há troncos de árvore à deriva no rio,
Mas eu quero agarrar-me ao tronco de árvore
Que à deriva,
No rio,
Arrasta para o mar
Este sonho de fuga
E de abordagem
E de viagem
E de evasão
Para mundos distantes,
Para cidades exóticas,
Para mares insondáveis,
-- Este sonho de fuga
Que marcou, indelével,
No mapa da vida,
O meu destino.

Nova Orleans, 30 de Abril, 52.

Joaquim Paço d'Arcos

Verbo Austero

autor: Francisco Costa (Sintra, 1900-1988)
título: Verbo Austero
edição: 1.ª
prefácio: Fidelino de Figueiredo
local: Lisboa
editora: Parceria A. M. Pereira
ano: 1925
capa: Martins Barata
páginas: XV+114
dimensões:19,2x13x1,2 (cartonado)
tipografia: Parceria A. M. Pereira


IMBONDEIROS

Andamos com um arco e uma flor
à roda
dos imbondeiros. Descalços
porque
queremos estar descalços.
Sobe
ao arco a alegria com muitas
cores
dependuradas nos nossos cabelos.
Nada
disto se dissolve em metafísica.
Temos
um arco e uma flor. E isso é que é
divino

Maria Augusta Silva

1979

muito tempo antes
parece agora breves minutos
as mesmas tardes passadas brincando
os jogos de caixa o estojo das experiências
não podíamos evitar as de explosão
o subutteo a raspar os joelhos
os longos relatos pela rádio noite fora
portugal campeão mundial de hóquei
os duelos do rali serra acima
até o sono chegar à hora certa
e então subitamente a mudança
como era possível algumas pessoas a música
baterem tão fundo ao coração
e disso alguma impossibilidade de partilhar
os segredos profundos da intimidade
traduzindo-se noutra forma de olhar
para quem conhecemos bem ou talvez não
e depois saber que o caminho era em frente
sentir o passado tão forte e não parar
o desejo de descobrir a crescer
recordo ver cair a noite envolvendo
depois de um banho tomado
o cheiro a água-de-colónia espanhola
quando o primeiro calor chegava
finalmente dormir de janela aberta
algum barulho repetido sincopado de carros
embalava ainda mas tudo estava diferente
e de repente já não era a rita coolidge
envolta num mel lustroso
a cantar que lá fora a chuva começara
era joy division a abrir na guitarra
o amor vai dilacerar-nos uma voz profunda
a maior distância era essa
tão forte mas tão pessoal
que não valia a pena contá-la
tão-somente vivê-la e dizer assim
este sou eu e quem vier a conhecer-me
leva-me já

Pedro Strecht

PRÉ-HISTÓRIAS

Se nos tempos áureos
dos dinossáurios
aparecesse um rinoceronte
no horizonte,
seria como ver surgir hoje um peru
entricheirado na carapaça dum tatu!

Paulo Abrunhosa
Amanhece
e no espreguiçar dos olhos
absorvo a tontura do novo dia

Ao sair do quarto
atravesso o branco sujo da manhã
tropeço na claridade da primavera
e vou tomar café com muito açúcar

Levo um pastel de Tentúgal para a varanda
e mastigo-o ouvindo as harpas da cidade

E quanto tu chegas de roupão
bebendo o teu cacau
explico-te num gesto amplo de incertezas
o horizonte com barcos

Daniel Maia-Pinto Rodrigues

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

SILÊNCIO

Pouca terra que me cubra
os ossos, quando morrer.
E sobre a lápide, rubra,
a rosa do Alvorecer.

Poucas palavras me bastem,
seja pobre o meu Dizer.
Até que todas se engastem
nos astros do Anoitecer.

Avelino de Sousa

POEMAS DUM CREPÚSCULO

II

Na calmaria da tarde,
Que faz tudo prolongar-se,
Vem até mim mansamente
O embalo triste do mar...

Mar para fazer saudade
Em quem fica e em quem parte...
Mar para dar morte -- morte!...
A quem lá vai buscar vida...

Mar para toda a loucura,
Voz a chamar suicidas...

Balanço nos meus ouvidos,
Ritmo para um verso manso...

Alberto de Serpa
cabra de minha mãe
apenas eu nascido
morreu
deixou-me só
em frente ao universo
depois foi este frio
que sempre me exilou
do viver empalado
na farpa do meu verso

Jorge Marcel

DA COSTA DE CASCAIS

Aqui, na orla do mar, as cruzes
são sinais de pescadores perdidos
no fundo, mortos, quando buscam
o sal da vida. Em vez de a sua força
fazer ceder a vaga sob o anzol,
é a força do mar ou a paixão da vida
-- arquejante e morta --
que os puxa para um purgatório
de água revolta e de limos.

Fiama Hasse Pais Brandão

TÉDIO

Aqui à mesa do café
vejo quem sai
com pressa, de corrida...

Aqui da mesa do café
vejo quem entra,
olhos sossegados que
procuram alguém para conversar.

Calmo, passeio o olhar
por chávenas e copos...
estala-me ao ouvido
o tinir dos vidros
no ar eleva-se o fumo de cigarros...
Perco-me no tempo sem distância.
Companheira minha, a ausência...

Moscas suspensas, no ar aborrecidas como se ali
estancara a vida.
O tédio cerca todos como fumo,
sono, sonhos, letragia...
De súbito, uma voz grave ao fundo:
-- Uma bica.

Joseia Matos Mira

DISTÂNCIA

hoje sinto-me bem disposto
vou aguardar que o sol
ressurja detrás das nuvens

cães ruivos de pêlo longo
correm
e a cada passada
se aproximam do voo

as tílias esperam
e os pardais preparam bem
a luz

talvez sejam horas de regressar
talvez sejam horas de ficar aqui

Daniel Maia-Pinto Rodrigues

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

NOME

Não eram lírios os lírios
caídos na areia, caídos
na areia roxa da noite
quase noite.
Não eram lírios, não eram
como tua sombra, eu sei,
mas eram muito mais lírios
que os lírios. Por isso
de lírios os chamarei.

Olga Savary

ROSAS E CANTIGAS

Eu hei-de despedir-me desta lida,
Rosas? -- Árvores! hei-de abrir-vos covas
E deixar-vos ainda quando novas?
Eu posso lá morrer, terra florida!

A palavra de adeus é a mais sentida
Deste meu coração cheio de trovas...
Só bens me dê o céu! eu tenho provas
Que não há bem que pague o desta vida.

E os cravos, manjerico, e limonete,
Oh! que perfume dão às raparigas!
Que lindos são nos seios do corpete!

Como és, nuvem dos céus, água do mar,
Flores que eu trato, rosas e cantigas,
Cá, do outro mundo, me fareis voltar.

Afonso Duarte

DE UMA RUA CITADINA

Folhas secas de plátanos
cobrem esta rua. Só assim
me é possível aceitar o caminho
entre as paredes e as casas.

Pisando o pavimento de folhas,
estou salva dos calafrios do medo,
entre janelas que solução e se calam
e portas que aprisionam os corpos.

Fiama Hasse Pais Brandão
límpidas de dor, velhas
deles, matam-nos assim
que adormecem, servem-se do
machado e não os deixam
muito tempo no sono, não
vão sonhar que agarram a arma
antes que elas o façam, e afirmam
que os lamentam, esmagados,
elas aos gritos.

valter hugo mãe

MAR MORTO

A JORGE AMADO

A noite caiu sobre o cais, sobre o mar, sobre mim.

As ondas fracas contra o molhe são vozes calmas de afogados.
O luar marca uma estrada clara e macia nas águas,
Mas os barcos que saem podem procurar mais a noite,
E com as suas luzes vão pôr mais estrelas além.
O vento foi para outros cais levar o medo,
E as mulheres que vêm dizer adeus e cantar
Hoje sabem canções com mais esperança,
Canções mais fortes que a ressaca,
Canções sem pausas onde passe uma sombra da morte.
Velhos marítimos, para quem a terra é já a sua terra,
Olham o mar mais distante e têm maior saudade.
Pára o rumor duns remos.
Não vão mais às estrelas as canções com noite, amor e morte...

Penso em todos os que foram e andam no mar,
Em todos os que ficam e andam no mar também,
E a luz do farol, lá longe, diz talvez...

Alberto de Serpa
o vento. o vento, sabes, traz-me vozes que incendeiam vozes.
o mesmo que passa rente à terra da montanha, o vento,
o mesmo vento que lança a noite sobre o telhado da casa.

e o lume, o mesmo lume que iluminava a cara da minha mãe,
o lume, sabes, arde dentro de mim. esse lume é as vozes que
todos esqueceram. esse lume é as vozes dos mortos no cemitério.

os teus murmúrios gritam chamas dentro de mim. não sofro,
sei que o vento é a respiração do mundo. o lume pergunta:
quantas vezes saíste de dentro de mim para me abraçares?

José Luís Peixoto
Trovoa na minha cabeça, mas o médico
diz que não é nada. Ecoam vibrações
nos meus pulsos, linhas trocadas no pescoço.
Só pode ser por tua causa, ser desconhecido.
Que me invades carro, casa e coração.
Comboio, táxi, local de trabalho.
Quarto, sala, cozinha, televisão.

Reconheço a penumbra desta garagem
onde vens pôr o carro diariamente.
Marquei as tuas horas na minha memória
e quando à hora certa sinto o barulho
do teu escape atrapalham-se-me as mãos
nas chaves e desengato do porta-chaves
o emblema do carro. Tanto nervosismo
é real? Bom dia, digo, e são já dezanove
e quarenta e cinco, um quarto para as oito.

O teu cansaço é real. Pões agora numa casa
ritmos fáceis, não obedecem a qualquer
contradição, fazem-se porque têm
de se fazer, se tu não os fizeres
quem os fará? Somos dois burros
a lutar cabeça com cabeça, as malhas
do amor enredaram-nos de tal forma
que nos parece tragédia ter um corpo.

Ainda assim te espero como se fosses
um ser desconhecido, para quem eu
preparasse um jantar especial. E repito
a velha imagem de filmes, peças
de teatro, vida real, mostrando o tempo
a passar e a mesa posta para dois.

Vai começar a terceira série do Prison
Break, aproveito a publicidade
institucional para abrir a garrafa,
fatiar a carne. Acendo a vela e ponho
o guardanapo nos joelhos, estou só,
ninguém veio, Quincy Jones tocou
este tempo todo, acompanhado
por uma grande orquestra cheia de estrelas.

Helder Moura Pereira

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Estende o manto, estende, ó noite escura,
enluta de horror feio o alegre prado;
molda-o bem c'o pesar dum desgraçado,
a quem nem feições lembram da ventura.

Nubla as estrelas, céu, que esta amargura
em que se agora ceva o meu cuidado,
gostará de ver tudo assim trajado
da negra cor da minha desventura.

Ronquem roucos trovões, rasguem-se os ares,
rebente o mar em vão n'ocos rochedos,
solte-se o céu em grossas lanças de água.

Consolar-me só podem já pesares;
quero nutrir-me de arriscados medos,
quero saciar de mágoa a minha mágoa!

Filinto Elíseo

O OUTRO

Eis aqui o chão antigo,
tão gasto e liso de andado.
Eis aqui limiar amigo
que mortos pés hão cruzado.

Na cadeira ela sentada
para o lume se sorria;
e dele a vida brincada
no fogo se consumia.

Criança, em sonhos dancei;
feliz o dia passou,
dourado brasão de um rei.
Mas nenhum de nós olhou.

Thomas Hardy

(Jorge de Sena)
Quão tarde se sente,
quão tarde se entende
quanto bem depende
de fugir da gente!

Frei Agostinho da Cruz
Um sedativo, uma ambulância, um hospital. E
a memória branca. O céu, o mundo. E noites sobre
noites. E o mar. Escutavas sua voz quando escutavas,
de anjos e de santos, o cantar. Escutavas o rumor
da terra. Rosas, rosas, rosas.


Carlos Matias, Estoril, 2004
Não são muitos os que abrem, ou alargam, um caminho. A maioria
faz seu o de outros. Alguns, poucos, aguardam que o caminho
se instale no seu coração.
Casimiro de Brito

A MULHER ILUSTRADA

O inverno traz manhãs baças pelo vidro
e o frio vai-me desenhando na pele tatuagens
que resistem à superfície antes de se afundarem
na parede dos ossos. Desenham-me o riso na pele fina
das crianças, as olheiras por cima da noite em claro,
as rugas vincando o teu rosto como um mapa do metro,
as varizes desenhando nas pernas o que te ia nos braços.

O homem do quiosque sorri pelo vidro, o cheiro do café
atravessa a rua como bálsamo sobre o corpo em chamas
nesta manhã de inverno. As tatuagens desenham-me a pele
enquanto nos tocamos sob o aroma do café.
É fácil perdê-las, a pele não guarda vestígios,
mas abre-se para dentro e deixa nos ossos um visco
espesso, um vómito coberto pela maquillage.

Rosa Alice Branco

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

THE GRAVE

Já tinhas pronta uma casa
inda estavas por nascer;
não é alta nem folgada,
mal te podes estender;
o tecto não se alevanta,
fica em cima do teu peito;
é à justa o comprimento
por tua medida feito;
as paredes são de terra
talhadinha com cautela;
não tem postigo nem porta
nem poderás sair dela;
chamas pelos teus amigos,
nenhum quedou a teu lado;
ninguém virá de mansinho
ver se dormes descansado:
pois só os vermes, aí
na pousada negra e fria,
não terão nojo de ti
e te farão companhia.

Anónimo (Século XIII)
(Luís Cardim)

FRÉMITO LITERAL

frémito literal ou palavra tressuada
a morder as gengivas deputadas

um olhar crepe rés ao barro
a terra entumescida o sexo venal
o gesto afásico nos contornos flácidos
da várzea informe

palavra desconhecida inventada
o estrépito adstrito
vagalhão real
a pedra revolta
palavra desenhada para ser esquecida

recordação migratória em que te embalas
nas profundezas da madrugada
sublime o entendimento
em que arrastas o foco
do regozijo baço:
é um tempo quebrado ao longo
das portas que já não abrigam o movimento
enquanto a dor se refresca num largo voo

frémito literal ou palavra tressuada
a morder as gengivas deputadas

um sangue que acaricia ao ritmo
dum olhar que passa
o grito duma terra indecisa
a força da memória derrotada pelo lamento
nu e húmido

na fronte o vil metal
na boca o pão sem sal: frémito

António Duarte Camacho de Brito Figueirôa

DA FERIDA

Regresso, depois da litania,
à contemplação sem voz.
A memória da música é
amarga, quando estou só.
Os quartetos de Beethoven
arrancam-me uma parte
do corpo em substância.
Ferida, terei de ir ainda
à cidade dia a dia.

Fiama Hasse Pais Brandão

ZAPPING

Uma mulher que espera.
Um homem que contempla a sua mortalidade.
As estagnadas vendas no imobiliário.
A nuvem atómica sobre recifes de corais.
O imprevidente regresso à casa da tortura.
Amazonas insaciáveis raptam guerreiros feitos escravos.
O metal como delírio erótico.
A aniquilação do mundo num enorme desastre de automóvel.
6 de Junho a partir das 19 Jazzanova e outros que tais.
O índice Dow Jones como fétiche.
O sangue insurrecto ou inocente mancha o asfalto.
O vibrafone mais cool do século.
A estranha vida sexual do senhor Musaranho.
O cântico das baleias em águas tropicais.
A torre em aço e vidro arde por dentro e desaba.
O negro-vinil do corvo.
Sete palmos de terra.

A TV radical não será vista por ninguém de bom nome.

Luís Quintais

NO LOCH NESS, ESCÓCIA

Dizem-me que, desde há muitos séculos,
existe um monstro escondido nas profundezas do lago,
cabeça de dragão, corpo de serpente, rabo de peixe.
Um céu baço e frio,
o verde intenso das florestas,
o lago sereno, de prata fina.
Onde pára o monstro?
O maior de todos os mistérios:
os homens caminhando sobre a terra.

António Graça de Abreu
a uma deliciosa negrinha
que, de mini-saia todas as manhãs me serve
um delicioso mini-café, mostrando muito mais
do que lhe convém

rasgo-te a saia não creias
poder negar por mais tempo
a razão que é meu tormento
tua bunda poderosa
serves à mesa o café
que me provoca e revive
serves e anzolas manhosa
tua bunda viciosa
bunda que ainda não tive
mas vai-te escudando tu
como te cumpres vaidosa
já me ultrapassaste a raia
que um dia de estes me passo
alargo à bunda um abraço
grito um grito Ivanhoe
bebo o café vou-te ao cu
e nem te restauro a saia

Jorge Marcel

domingo, 15 de agosto de 2010

LUSITÂNIA

Os que avançam de frente para o mar
E nele enterram como uma aguda faca
A proa negra dos seus barcos
Vivem de pouco pão e de luar.

Sophia de Mello Breyner Andresen

BALANÇA DE PALAVRAS

As palavras têm um tranquilo
peso oculto,
rebelde ao dicionário.

Por isso são palavras,
não vocábulos apenas.

Fossem todas as palavras
pesadas em balança como a sua,
Eugénio,
tumultuosa balança de palavras.

A. M. Pires Cabral

CANTIGA: PARTINDO-SE

Senhora, partem tão tristes
Meus olhos por vós, meu bem,
Que nunca tão tristes vistes
Outros nenhuns por ninguém.

Tão tristes, tão saudosos,
Tão doentes da partida,
Tão cansados, tão chorosos,
Da morte mais desejosos
Cem mil vezes que da vida.
Partem tão tristes os tristes,
Tão fora de esperar bem,
Que nunca tão tristes vistes
Outros nenhuns por ninguém.

João Roiz de Castelo Branco
Altos feitos, nobres homens se apagaram no Tempo.
Alá sobre eles derrame o consolo da chuva.
Outrora o gesto generoso não carecia de palavras
Hoje nada mais resta que som de frases ocas.

Abu-l-Walid al-Baji

(Adalberto Alves)

sábado, 14 de agosto de 2010

ANACREÔNTICA

Teu rosto é como
Um róseo pomo,
Que eu só desejo
Morder num beijo.

Último tomo
De amor que eu domo
Enquanto almejo
O grato ensejo...

O afecto que
Me enchera de
Paixão fatal

Vê com ardor
Teu belo cor-
po escultural!

António Feijó
Esvelta surge! Vem das águas, nua,
Timonando uma concha alvinitente!
Os rins flexíveis e o seio fremente...
Morre-me a boca por beijar a tua.

Sem vil pudor! Do que há que ter vergonha?
Eis-me formoso, moço e casto, forte.
Tão branco o peito! -- para o expor à Morte...
Mas que ora -- a infame! -- não se te anteponha.

A hidra torpe!... Que a estrangulo... Esmago-a
De encontro à rocha onde a cebeça te há-de,
Com os cabelos escorrendo água,

Ir inclinar-se, desmaiar de amor,
Sob o fervor da minha virgindade
E o meu pulso de jovem gladiador.

Camilo Pessanha

BUSCANDO A CRISTO

A vós correndo vou, braços sagrados,
nessa Cruz sacrossanta descobertos
que, para receber-me, estais abertos,
e, por não castigar-me, estais cravados.

A vós, divinos olhos, eclipsados
de tanto sangue e lágrimas cobertos,
pois, para perdoar-me, estais despertos,
e, por não condenar-me, estais fechados.

A vós, pregados pés, por não deixar-me,
a vós, sangue vertido, para ungir-me,
a vós, cabeça baixa, por chamar-me.

A vós, lado patente, quero unir-me,
a vós, cravos preciosos, quero atar-me,
para ficar unido, atado e firme.

Gregório de Matos

RETRATO PRÓPRIO

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;

Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorento.

Bocage

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Agora e na Hora da Nossa Morte

autor: José Agostinho Baptista (Funchal, 15.VIII.1948)
título: Agora e na Hora da Nossa Morte
edição: 1.ª
colecção: «Peninsulares Literatura» #53
editora: Assírio & Alvim
local: Lisboa
ano: 1998
págs.: 109
dimensões: 20,5x14x1 (brochado)
tipografia: Guide
Se apartada do corpo a doce vida,
Domina em seu lugar a dura morte,
De que nasce tardar-me tanto a morte,
Se ausente d'alma estou, que me dá vida?

Não quero sem Silvano já ter vida,
Pois tudo sem Silvano é viva morte;
Já que se foi Silvano venha a morte,
Perca-se por Silvano a minha vida.

Ah! Suspirado ausente, se esta morte
Não te obriga a querer vir dar-me vida,
Como não me vem dar a mesma morte?

Mas se n'alma consiste a própria vida,
Bem sei que se me tarda tanto a morte
Que é porque sinta a morte de tal vida.

Anónima (Século XVII)

O DOMADOR

Alturas da Avenida. Bonde 3.
Asfaltos. Vastos, altos repuxos de poeira
Sob o arlequinal do céu ouro-rosa-verde...
As sujidades implexas do urbanismo.
Filets de manuelino. Calvíces de Pensilvânia.
Gritos de goticismo.
Na frente o tram da irrigação,
Onde um Sol bruxo se dispersa
Num triunfo persa de esmeraldas, topázios e rubis...
Lânguidos boticellis a ler Henri Bordeaux
Nas clausuras sem dragões dos torreões...

Mário, paga os duzentos réis.
São cinco no banco: um branco,
Um noite, um ouro,
Um cinzento de tísica e Mário...
Solicitudes! Solicitudes!

Mas... olhai, oh meus olhos saudosos dos ontens
Esse espetáculo encantado da Avenida!
Revivei, oh gaúchos Paulistas ancestremente!
E oh cavalos de cólera sangüínea!
Laranja da China, laranja da China, laranja da China!
Abacate, cambucá e tangerina!
Guardate! Aos aplusos do esfusiante clown,
Heróico sucessor da raça heril dos bandeirantes,
Passa galhardo um filho de imigrante,
Louramente domando um automóvel!

Mário de Andrade
Don Affonso de Castela,
de Toledo, de Leon
Rey e ben des Conpostela
ta o reyno d'Aragon,

De Cordova, de Jahen,
de Sevilla outrossi,
e de Murça, u gran ben
lle fez Deus, com' aprendi,

Do Algarve, que gãou
de mouros e nossa ffe
meteu y, e ar pobrou
Badallouz, que reyno é

Muit' antigu', e que tolleu
a mouros Nevl' e Xerez,
Beger, Medina prendeu
e Alcala d'outra vez,

E que dos Romãos Rey
é per dereit' e Sennor,
este livro, com' achei,
fez a onrr' e a loor

Da Virgen Santa Maria,
que éste Madre de Deus,
en que ele muito fia.
Poren dos miragres seus

Fezo cantares e sões,
saborosos de cantar,
todos de sennas razões,
com' y podedes achar.

Afonso X, o Sábio

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

CRIOULO NÃO TEM PATRÃO

(coladera)

Ao chegar português disse
trabalha na serração
eu ri na cara do branco
peguei na minha viola
crioulo não tem patrão.

Ao chegar patrício disse
trabalha na construção
eu ri na cara do negro
saí numa coladera
crioulo não tem patrão.

Eles tem casa eu tenho a rua
eles tem sobrado e eu chão
eles são ricos eu sou pobre
eles são escravos eu sou livre
crioulo não tem patrão.

António Lobo Antunes
(Nesse verão estivemos todos juntos na praia:
o Manuel Mendes e a Bá, o Chico e a Maria Keil,
o José Bacelar e a Maria Luísa, o José Rocha e a
Selma. E eu mergulhava no mar aos Vivas à República!)

Carcavelos.

«Aqui nesta praia amarela...»
tanto esperei em vão pelo princípio do mundo
com os pés a doerem-me
nas conchas de sangue nu dos tapetes...

Depois despia-me
e desafiava o mar
para sentir na pele
aquele frio antigo tão doce de alfinetes...

José Gomes Ferreira

ACORDE

Onde passou o vento
são altas as ervas,
e os olhos água
só de olhar para elas.

Eugénio de Andrade

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O SEGREDO DA MATÉRIA

Subo ao sótão e tenho seis anos
pelas escadas que rangem
sob os pés que voam em segredo,
rangem como a porta a abrir
para a luz filtrada dos pavores da infância
onde espero um pouco
por tudo o que me espera desde a eternidade.
Tenho sete anos e a cinza confunde-se com a luz
depositada no tempo. As arcas dão a ver o outro lado
do mundo espalhado pelo chão à minha volta.
Não são objectos mas o próprio mistério da existência
que vai passando pelas minhas mãos
quando tenho oito anos, quando tenho agora
o segredo de uma porta que abre para a casa.
Percorro os caminhos da mesa, da cama, da lareira,
as raízes da casa são o sótão
onde a luz toca nas mãos o infinito.
Subo pelos olhos espantados
e espero ainda pela aurora que me aguarda
aproximando-se lentamente do seu pó.


Rosa Alice Branco

ALÉM DA TERRA, ALÉM DO CÉU

Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.

Carlos Drummond de Andrade

SOL

Sete homens foram presos
quando pela noite
os cabelos puxavam
a uma rapariga.

Algures na cidade
eles só buscavam
o dia sumido.
«Olha ali o sol»

-- dissera um
na solidão do Metro. Era
uma cabeça loira

-- e mal os raios tocaram acesos
ali se prenderam
e foram presos.

Pedro Alvim

A ORIENTE DE MIM

A oriente de mim
há uma estrada
por onde vim
trazido a esta parte.
Foi construída com arte
e desemboca no Nada.

Adalberto Alves

terça-feira, 10 de agosto de 2010

SINFONIA EM FÁ MAIOR

Primeiro andamento

Vento embora agreste
de Angola te trouxe
semente
como pudeste
sobreviver às aves
aos peixes voadores
a canhangulos
às armas finas

para seres aqui em minhas mãos
entre sete colinas

José Correia Tavares

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Às árvores regresso.
E como não
se eu nunca vi árvores?
Árvores, pois.
Árvores baixas e altas
de folha persistente ou não.
Nespereiras.
Uma oliveira gigantesca.
Uma araucária.
Romãzeiras talvez.
Detrás delas
rente ao muro
uma moita rasteira e hirsuta.
Talvez buxo.
Saltita lá um pássaro
pequeno e grisalho.

Pássaros?
Depois das árvores
só os pássaros me faltavam.
Os pássaros que eu também nunca vi
nem fazia ideia que existissem.
E muito menos aqui.
Este ao de leve se espaneja
com arrepios felizes.
Por duas vezes canta
antes de levantar voo.
Passa rente a mim.
Bate as asas
e no ar desaparece
deixando atrás de si um rasto de luz.
O eco do seu canto
eterno me parece.

[Comprovo agora
enquanto passo isto a limpo
noutra casa e noutra janela
a verdade desse pressentimento.
O pássaro de lá canta aqui, aqui, aqui
sem precisar de estar.]

António Cândido Franco

A Pequena Pátria

Autor: João Miguel Fernandes Jorge (Bombarral, 1943)
Título: A Pequena Pátria
Edição: 1.ª
Editora: Editorial Presença
Local: Barcarena
Ano: 2002
Capa: Vera Espinha
Págs.: 134
Dimensões: 21x12,5x1 (brochado)
Composição: Multitipo
Impressão: Guide
Obs.: antologia

CAFÉ COM LEITE

Ó meu café, meu «music-hall» de fumo...
Meu vistoso teatro de fantoches...
Corpos exaustos como velhos coches,
Mas que trazem a alma a fio de prumo...

Mesas onde a minha alma se baloiça...
Trottoirs dos meus dedos vagabundos...
Canais compridos, largos e profundos,
Onde os pires são gôndolas de loiça...

Sorrisos de Satan pelas bandejas...
As gabardines verdes são lagartas!
Certas brancuras lembram as igrejas:
Guardanapos, jornais, papel de cartas...

Dos creados de mesa é que se fazem,
Sem dúvida, os melhores malabaristas;
É na ponta da unha que eles trazem
Facas e copos, galheteiros, listas...

Uma orquestra de vozes irreais
Entre rolos de fumo se levanta:
A rapsódia em lá: cordas vocais...
Tziganos vermelhos na garganta!...

Entram mulheres: trazem, em seus vestidos,
As estátuas, eléctricos, o Sol...
Hirto como o soldado no Verol,
Sou o Napoleão dos meus sentidos...

Nuevo Mundo, La Esfera, Illustration,
Uma revista semanal inglesa...
A Vogue, a Femina e o Fon-Fon
São amostras do mundo pela mesa...

Hotel de pernoitar para os artistas...
Vejo em trajes menores o pensamento...
Poetas, pinta-monos, jornalistas...
Com nódoas de café pelo talento...

E, finalmente, este poema franco,
Este poema sem nenhum enfeite,
Em tinta negra sobre o papel branco,
É uma taça de café com leite...

António Ferro

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

PAISAGENS COM MAR

(k)

À nossa volta, como um labirinto, dispõe-se uma praia
longa O sol desfoca os contornos das coisas do dia, vivas
e vibráteis O mar fotografa a praia de frente
e de cima E as suas fotografias cantam
nas estantes aéreas as vertiginosas figuras
oferecidas ao vento

É uma praia muito antiga: uma praia arcaica
que promete a eternidade aos corpos esplêndidos
uma eternidade compensatória para os corpos
abrasados nos quais obedecendo ao comando da espécie
a juventude ejaculava
e iam morrer dali a pouco

Promessa implacável que expunha à areia e ao sol
os ossos calcinados dos grandes mamíferos pré-históricos
Promessa sarcástica: a eternidade para nós

Nessa praia tínhamos perdido o caminho para o mar.

Manuel Gusmão
Conheço o turismo dos cemitérios.
Que pouco importa a morte comendo a terra,
Já se ouviu dizer. A que vens?
Ao loureiro umbroso mais a púrpurea hera
A crescer para o céu fascista (de Pound).
À campa (de Morrison)
Aplanada, danificada,
Vigiado por polícias todos crentes
Na ressurreição dos mortos.

José Emílio-Nelson

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

TEORIA

Sou o que está em meu redor.


As mulheres percebem isto.
Nenhuma é duquesa
A uns cem metros da carruagem.
Eis então retratos:
Uma antecâmara preta;
Uma cama alta resguardada por cortinas.

São apenas exemplos.

Wallace Stevens
(José Antunes)

SOLIDÃO MARINHA

Eu tombei do convés do transatlântico
Em meio às ondas, como num letargo...
Lá se vai o voador -- peixe romântico --
Passam: toninha, méro, anchôva e pargo.

A rolar, tão sòzinho, pelo Atlântico,
Levado, brutalmente para o largo,
Nem da sereia posso ouvir um cântico
Que iluda e enleve o meu destino amargo.

Jangadinha que, ao longe, a vela enfunas,
Enfeitiçada de alegria intensa,
Como um lenço acenando para as dunas...

Dize a todos de terra a minha crença
De lutar, com essas ondas importunas,
E me abismar na solidão imensa...

Rio, 7-11-1945.

Sabino de Campos

terça-feira, 3 de agosto de 2010

PERGUNTAI AO MURO

Muro, em que meditas,
ao longo da estrada, por estas quintas,
casas, ermos, entre paixões
de alma dos espectros
presentes e vindouros? E os vivos,
porque se escondem
por trás da tua fronte alta,
quieta, seca, que cobiça os astros,
sem saber que o teu corpo
de xisto corre, avança,
mas não pode soltar-se da Terra
e alcançar o Alto?

Fiama Hasse Pais Brandão

RITMOS

E descascar ervilhas ao ritmo de um verso:
a prosódia da mão, a ervilha dançando
em redondilha.
Misturar ritmos em teia apertada: um vira
bem marcado pelo jazz, pas
de deux: eu, ervilha e mais ninguém.

De vez em quando o salto: disco sound
o vazio pós-moderno e sem sentido
Ah! hedónica ervilha tão sozinha
debaixo do fogão!

As irmãs recuperadas ainda em anos 20,
o prazer da partilha: cebola, azeite
blues desconcertantes, metamorfoses em
refogados rítmicos

(Debaixo do fogão
só o silêncio frio)

Ana Luísa Amaral

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

APRESENTAÇÃO

Cantar não é talvez suficiente.
Não porque não acendam de repente as noites
tuas palavras irmãs do fogo
mas só porque as palavras são
apenas chama e vento.
E contudo canção
só cantando por vezes se resiste
só cantando se pode incomodar
quem à vileza do silêncio nos obriga.

Eu venho incomodar.
Trago palavras como bofetadas
e é inútil mandarem-me calar
porque a minha canção não fica no papel.
Eu venho tocar os sinos.
Planto espadas
e transformo destinos.
Os homens ouvem-me cantar
e a pele
dos homens fica arrepiada.
E depois é madrugada
dentro dos homens onde ponho
uma espingarda e um sonho.

E é inútil mandarem-me calar.
De certo modo sou um guerrilheiro
que traz a tiracolo
uma espingarda carregada de poemas
ou se preferem sou um marinheiro
que traz o mar ao colo
e meteu um navio pela terra dentro
e pendurou depois no vento
uma canção.

Já disse: planto espadas
e transformo destinos.
E para isso basta-me tocar os sinos
que cada homem tem no coração.

Manuel Alegre

domingo, 1 de agosto de 2010

BALADA DO SINO

Uma barquinha
Lá vem lá vem
Dim Dem
Na barquinha de Belém

Senhor Barqueiro
Quem leva aí
Dão Dim
Na barquinha de Aladim

Levo a cativa
Duma só vez
Dois três
Na barquinha do marquês

Ao romper d'alva
Casada vem
Dim Dem
Na barquinha é que vai bem

Se a tem guardada
Deixe-a fugir
Dão Dim
Na barquinha do vizir

Lá vai roubada
Lá vai na mão
Dim Dão
Na barquinha do ladrão

José Afonso

MIRAGENS

I fall, more and more,
Into my own silences.

Theodore Roethke

Os sessenta iam ainda
no início, sem memória
de guerras, revoluções
ou de fluxos migratórios.
A terra aguardava em
silêncio a chegada
das betoneiras, dos patos
bravos. Outras migrações...
Um domingo de manhã,
em Maio, saímos a
explorar lugares ocultos,
pequenas grutas e antas,
mais tarde ameaçadas
pelas aves de arribação.
Os tais patos... bravos, claro.
Olhámos o vale. O
meu pai segurava-me
a mão. À nossa frente o
sítio onde se ergueria,
dez anos depois, a casa.
Casa feita, pêga morta.
Um ditado apenas e
para mim um medo a pairar,
dia após dia, como
se alguma oculta verdade
ali se insinuasse.
Como se o povo tivesse
razão. Enfim, zombarias
do destino. Ou do acaso?
Lá para o fim da manhã,
descobri junto à anta
um minúsculo esqueleto
de plástico. Curiosa
ironia vinda de outras
brincadeiras, porventura
mais inocentes, das crianças
dos bairros de lata. O
esqueleto ainda o vi,
há alguns meses, no sótão,
entre molduras partidas,
velhas cartas sem destino
ou memória, e as
sempre inevitáveis teias
de aranha. Um pequeno
sinal como outros, uma
pedra um nome um sinal só
desses dias; um vestígio
da rua das oliveiras,
no tempo em que somente
elas e o casal de
velhos loucos ali viviam.

Mário Avelar